ESTÁTUA VERBAL DE  CESAR LUIZ PASOLD: ORAÇÃO PROFERIDA EM SESSÃO DE SAUDADE REALIZADA PELA ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS JURÍDICAS – ACALEJ, EM 24 DE ABRIL DE 2023, NO AUDITÓRIO DA OAB/SC, ÀS 19H30M.

Na sua circunstância e no seu tempo, Cesar Luiz Pasold foi humano em toda a medida e saiu-se vencedor em todas as formas e fases do seu desafio terreno: nascituro de gestão complicada, criança, adulto e idoso, pai, filho e órfão, neto e avô, marido, genro e cunhado. Sobretudo, protagonista do seu tempo e agora, um farol na completude imortal do Devir. Viveu na alegria e foi digno na tristeza, laborou na saúde e debelou a doença; foi o mesmo sempre: na petição e na sentença, no recurso e na esperança, contra ou a favor; no ensino de graduação, pós-graduação e nas consultorias era exigente e nas dificuldades tolerante e solidário com o discente. Aluno dedicado e professor brilhante, que ensinava aprendendo; advogado que defendia além do Direito, com a envergadura moral; foi juiz eleitoral judicioso e justo, como cliente foi preocupado, como testemunha imparcial, nas bancas acadêmicas sempre afável e gentil. Sobretudo, era um Gestor indefectível: sério ao escrúpulo e tíbio jamais.

Esboçá-lo assim Proteu a mudar de forma na travessia dos desafios; nesse rio inexorável da matéria que não volta – como afirmou Heráclito; é dizer que ele tudo fez, sofreu, enfrentou e amou na busca perpétua de harmonia, até chegar à paz em que se encontra, a musicar o silêncio profundo da nossa saudade.

Hoje, aqui desta tribuna em que ele esteve tantas vezes, eis o seu busto verbal, em seu sorriso afável e preocupação diuturna com a causa da humanidade: Caesarem quendam, homo et vir: Cesar, pessoa e varão, imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, que fundou, presidiu e nunca abandonou, de 2012 a 2022 e daí para sempre.

Ei-lo aqui na voz de um dos seus alunos e discípulos, orientando, parceiro e sucessor na presidência desta Academia que fundamos juntos, chamados que fomos pelos fundadores originários Ricardo José da Rosa e Elizete Lanzoni Alves. Ei-lo aqui neste busto de dizê-lo, na dimensão em que disse de Cromwell, Victor Hugo: a tirar dele uma alta e profunda harmonia, não destas harmonias que afagam somente os ouvidos, mas destas harmonias íntimas que comovem todo o homem, como se cada corda do cravo se atasse a uma fibra do coração (Prefácio de Cromwell, p. 87 e 89).

Era de Indaial, mas nasceu, em razão de gravidez de risco, em Blumenau. De família alemã, o português não foi a sua língua materna e isso foi traumático: na idade pré-escolar teve que aprender a língua de Camões para entrar no Catarinense, de onde saiu professor de português e dono de Cursinho pré-vestibular. A perseguição sofrida pelo bisavô, pelo avô e pelo pai durante a Segunda Guerra, marcou indelevelmente a família. O pai, Ralf, morreu cedo, já aqui em Florianópolis; a mãe casou novamente e Cesar foi morar com os avós, proprietários de hotel.

Ali, naquela Passárgada de ser neto da Opa materna Bárbara, a hoteleira, em estabelecimento voltado a atender e acolher, Caesar quendam tinha a comida da sua preferência, a roupa da escolha, o horário da sua comodidade, além do carinho público de hóspedes e comensais. Foi nesse espaço que ele obteve e consolidou a amizade do mundo, para usar a expressão de Borges.

Hellmuth Bugmann, o avô materno, ensinou-lhe uma lição especial de responsabilidade, ao presenteá-lo com uma bicicleta mediante cláusula resolutiva: seria dele se aprendesse a andar de bicicleta. Outra lição foi do pai, Ralf Pasold, que lhe disse certa feita: ao invés de fumar escondido, venha cá, vamos fumar juntos.

Disse Nietzsche que os combates mais duros de um homem de espírito nobre travam-se na infância, esta fase de vulnerabilidade perante modos de pensar, fraquezas de caráter e outros infortúnios que se aliam aos pecados do mundo. No rés do chão, a vida foi bruta e insensível com a infância de Cesar Luiz Pasold, ameaçando-lhe até mesmo o pertencimento nacional, desde o idioma; ele, porém, criou asas e alçou um voo altaneiro.

Ele foi tudo o que se disse dele na sua biografia hoje lida; e a sua obra jurídica aqui resenhada foi seu grande desafio, pois que o Direito muito se assemelha a uma língua estrangeira difícil, linguagem técnica dos fatos, das relações, dos conflitos e da justiça.

Não copiou nada, tudo tirou de si mesmo, das suas vitórias, das derrotas e do próprio infortúnio como lição. Cuidou mais das coisas da excelência, como os mestres e os magistrados o fazem, segundo o Digesto de Justiniano; e nisso nós todos, alunos e amigos e familiares; autoridades, instituições e coetâneos, temos com ele, Caesarem quendam, homo et vir, um parentesco por aprendizado e convivência, em especial este nobre Sodalício da imortalidade acadêmica: como as cordas de uma lira atarraxadas nas fibras do coração.

Disse. Muito obrigado.