DISCURSO EM DESAGRAVO AO EX-REITOR RODOLFO JOAQUIM PINTO DA LUZ EM FACE DA NEGATIVA DO TÍTULO DE EMÉRITO PELO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UFSC, ORAÇÃO PROFERIDA EM SESSÃO DO CONSELHO DA UNIDADE DO CENTRO DE CIÊNCIAS JURIDICAS NO DIA 7 DE MAIO DE 2024, ÀS 14H30M.

Quando recebi o honroso convite deste Centro de Ciências Jurídicas para participar deste desagravo a Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, eu confesso que a minha alma peregrinou desolada pelos meus trinta e três anos de magistério neste Curso de Direito, literalmente a jejuar no deserto. Negar o Título de Emérito ao ex-Reitor da UFSC por três vezes; ao construtor do Centro de Eventos, ao parteiro do ensino à distância no pioneirismo da UFSC, enfim, negar mérito a uma vida dedicada à Educação nas três esferas da Federação, em destacados cargos – representa o nosso afélio institucional: nunca estivemos tão distante da luz.  Como é possível? Pergunta a Sociedade Catarinense incrédula e boquiaberta.

            Este é o fato e o sentimento meu ao adentrar os umbrais deste Colegiado, que hoje não mais me pertence e sim aos pósteros. Pela última vez com certeza aqui estou, na hora grave, mas oportuna. Não para apontar o dedo contra pessoas ou erros humanos, nem para aplacar justa indignação. Não. Eu não desperdiçaria ocasião tão sublime com aleivosias inúteis, à feição dos rancores que hoje transbordam nas vias virtuais do ódio em nosso país. Não. O desagravo a Rodolfo Pinto da Luz é o desagravo do mérito, do devotamento à causa da Educação.  É a defesa dos valores republicanos, inspirada na equidade com vistas, sobretudo no futuro, porque os destinatários deste ato e mensagem são os pósteros.

            Não que se repare a injustiça, é certo, mas é um gesto que conforta; e o seu significado potencial, diante da indignação geral, pode ir além. Este episódio deve ser encarado como um marco e primeiro passo da UFSC no caminho da superação do trauma de 1964. Este é o desafio dos pósteros. Esquecer as velhas teorias importadas dos países centrais, que fomentam a divisão e a polarização entre os brasileiros.  Cumpre criar nova teoria, e no campo do Direito, dar-lhe forma e figura com base em Diálogo, Equidade e Justiça. Não é fácil ser assim autodidata, mas começando fica menos difícil. Rodolfo Pinto da Luz, com a sua personalidade, dedicação e seriedade perfilha-se com a pedra angular dessa UFSC a construir.

            Meu primeiro contato com o Professor Rodolfo deu-se no pátio desta Unidade de Ensino; ele vinha sozinho e pediu meu voto em sua primeira e frustrada eleição a Reitor. Ali, como num relâmpago da madrugada enxerguei-o inteiro; vi o seu coração, antes da sua obra. Hoje, naquele local estão: à direita dele o Fórum da Justiça no campus e à sua esquerda, lado do coração, o busto de outro ex-reitor, o mártir Luís Carlos Cancellier de Olivo. A magia daquele instante nunca me abandonou; foi aquele Rodolfo bondoso, prudente e compreensivo, justo e conciliador, que nos anos seguintes, só fez trabalhar e realizar pela Educação, UFSC, Andifes, SESU, Estado, Município. Não guarda mágoa, não persegue, não odeia ninguém.

            Ao longo dos anos de magistério na UFSC, toda vez que me referia à jurisdição romana, em que as partes escolhiam de comum acordo o seu juiz, eu propunha, se fosse o nosso caso, o nome de Rodolfo Pinto da Luz, e nenhuma vez ele foi rejeitado pelos alunos. E aqueles alunos da chapa adversária de Rodolfo, aqueles cassados pela ditadura, hoje hipotecam solidariedade ao nosso desagravado, que eles têm como amigo e na mesma consideração que expresso neste discurso. Acometido pela doença e retirado da sala de aula pela baixa imunidade, Rodolfo foi à via remota, e somente se afastou na aposentadoria compulsória. No hospital, recebia os amigos com o mesmo sorriso com que pediu voto e recebeu as pessoas.

            Aristóteles disse que a justiça está acima das virtudes, porque ela é base da Sociedade; e Frederico Nietzsche completa dizendo que a justiça nunca será feita enquanto os não afetados não se indignarem também. Nessa linha, de justiça e superação do ressentimento, eu peço para evocar o exemplo da natureza, que hoje inunda de lágrimas o Rio Grande do Sul. Os cientistas comprovam que o floco de neve revela as leis do universo; forma-se a partir e em torno de um pequeno núcleo hexagonal, faminto de neve em todas as quinas; da mesma forma que Rodolfo com a UFSC, este Curso e a Educação. E eu pergunto aos brasileiros de boa-vontade, onde está a alma da neve se ela é agua? Na alvura, no amor com reta intenção! Encerro a cantar com Gil Vicente:

                        A neve caía do azul cinzento do céu

                        branca e leve, branca e fria

                        há quanto tempo a  não via,

                        e que saudade, Deus meu! 

Muito obrigado!