Quando recebi o honroso convite deste Centro de Ciências Jurídicas para participar deste desagravo a Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, eu confesso que a minha alma peregrinou desolada pelos meus trinta e três anos de magistério neste Curso de Direito, literalmente a jejuar no deserto. Negar o Título de Emérito ao ex-Reitor da UFSC por três vezes; ao construtor do Centro de Eventos, ao parteiro do ensino à distância no pioneirismo da UFSC, enfim, negar mérito a uma vida dedicada à Educação nas três esferas da Federação, em destacados cargos – representa o nosso afélio institucional: nunca estivemos tão distante da luz. Como é possível? Pergunta a Sociedade Catarinense incrédula e boquiaberta.
Este é o fato e o sentimento meu ao adentrar os umbrais deste Colegiado, que hoje não mais me pertence e sim aos pósteros. Pela última vez com certeza aqui estou, na hora grave, mas oportuna. Não para apontar o dedo contra pessoas ou erros humanos, nem para aplacar justa indignação. Não. Eu não desperdiçaria ocasião tão sublime com aleivosias inúteis, à feição dos rancores que hoje transbordam nas vias virtuais do ódio em nosso país. Não. O desagravo a Rodolfo Pinto da Luz é o desagravo do mérito, do devotamento à causa da Educação. É a defesa dos valores republicanos, inspirada na equidade com vistas, sobretudo no futuro, porque os destinatários deste ato e mensagem são os pósteros.
Não que se repare a injustiça, é certo, mas é um gesto que conforta; e o seu significado potencial, diante da indignação geral, pode ir além. Este episódio deve ser encarado como um marco e primeiro passo da UFSC no caminho da superação do trauma de 1964. Este é o desafio dos pósteros. Esquecer as velhas teorias importadas dos países centrais, que fomentam a divisão e a polarização entre os brasileiros. Cumpre criar nova teoria, e no campo do Direito, dar-lhe forma e figura com base em Diálogo, Equidade e Justiça. Não é fácil ser assim autodidata, mas começando fica menos difícil. Rodolfo Pinto da Luz, com a sua personalidade, dedicação e seriedade perfilha-se com a pedra angular dessa UFSC a construir.
Meu primeiro contato com o Professor Rodolfo deu-se no pátio desta Unidade de Ensino; ele vinha sozinho e pediu meu voto em sua primeira e frustrada eleição a Reitor. Ali, como num relâmpago da madrugada enxerguei-o inteiro; vi o seu coração, antes da sua obra. Hoje, naquele local estão: à direita dele o Fórum da Justiça no campus e à sua esquerda, lado do coração, o busto de outro ex-reitor, o mártir Luís Carlos Cancellier de Olivo. A magia daquele instante nunca me abandonou; foi aquele Rodolfo bondoso, prudente e compreensivo, justo e conciliador, que nos anos seguintes, só fez trabalhar e realizar pela Educação, UFSC, Andifes, SESU, Estado, Município. Não guarda mágoa, não persegue, não odeia ninguém.
Ao longo dos anos de magistério na UFSC, toda vez que me referia à jurisdição romana, em que as partes escolhiam de comum acordo o seu juiz, eu propunha, se fosse o nosso caso, o nome de Rodolfo Pinto da Luz, e nenhuma vez ele foi rejeitado pelos alunos. E aqueles alunos da chapa adversária de Rodolfo, aqueles cassados pela ditadura, hoje hipotecam solidariedade ao nosso desagravado, que eles têm como amigo e na mesma consideração que expresso neste discurso. Acometido pela doença e retirado da sala de aula pela baixa imunidade, Rodolfo foi à via remota, e somente se afastou na aposentadoria compulsória. No hospital, recebia os amigos com o mesmo sorriso com que pediu voto e recebeu as pessoas.
Aristóteles disse que a justiça está acima das virtudes, porque ela é base da Sociedade; e Frederico Nietzsche completa dizendo que a justiça nunca será feita enquanto os não afetados não se indignarem também. Nessa linha, de justiça e superação do ressentimento, eu peço para evocar o exemplo da natureza, que hoje inunda de lágrimas o Rio Grande do Sul. Os cientistas comprovam que o floco de neve revela as leis do universo; forma-se a partir e em torno de um pequeno núcleo hexagonal, faminto de neve em todas as quinas; da mesma forma que Rodolfo com a UFSC, este Curso e a Educação. E eu pergunto aos brasileiros de boa-vontade, onde está a alma da neve se ela é agua? Na alvura, no amor com reta intenção! Encerro a cantar com Gil Vicente:
A neve caía do azul cinzento do céu
branca e leve, branca e fria
há quanto tempo a não via,
e que saudade, Deus meu!
Muito obrigado!