Caríssimo e Eminente Presidente, Acadêmico CESAR LUIZ PASOLD, em nome de quem saúdo a todos os confrades acadêmicos;
Senhora e Senhores componentes da Mesa já nominados pelos ilustres Acadêmicos JOSÉ ISAAC PILATI E RICARDO JOSÉ DA ROSA;
Caríssimos amigos e amigas que iluminam esta solenidade;
Minha querida Família: minha Esposa, meus Filhos, Nora, Genro e Netos, minha Irmã, minhas Cunhadas, Sobrinhos, Sobrinhas, Primas e Primos;
Senhoras e Senhores,
Recebo nesta solenidade, com a mais viva emoção, a escolha de meu nome para compor esta Academia de Letras Jurídicas. Estou convencido de que ser um de seus integrantes, constitui honra insigne para qualquer jurista, bastando apenas olhar para os que aqui estão e recordar a contribuição que cada um já deu para o aperfeiçoamento do direito e da sociedade. São cultores do direito dedicados a aprimorar dia a dia a herança de gerações, e a lembrar os nomes daqueles que fizeram a história catarinense, através de suas vidas e de suas obras; daqueles que deixaram marcas e se fizeram elos na corrente evolutiva da sociedade, muitas vezes superando difíceis obstáculos e enfrentando até resistências e incompreensões.
Os patronos que deram nome às cadeiras desta Academia foram homens que ajudaram a construir a sociedade catarinense, e seus integrantes são agora os que hoje a constroem e a engrandecem.
Nessa visão, instituições como esta, nos fazem lembrar que as gerações se sucedem, transmitindo, cada uma, à seguinte, os ensinamentos acumulados há milênios. Faz parte da história da humanidade e do desejo de cada cidadão ou cidadã: aprender e transmitir a outros o que reteve do seu aprendizado.
Tenho repetido muitas vezes, lembrando ORTEGA Y GASSET, que “o homem pertence substancialmente a uma geração e cada geração se assenta, não em qualquer parte, mas precisamente, na anterior”.
Lembro, a respeito disso, o que ouvi certa vez: “o que faz de um qualquer número de pérolas um colar é um fio invisível que as une e que liga todas numa só ordem”.
No direito, esse fio é o ideal de justiça e as pérolas nada mais são do que a razão determinante de cada lei, capazes de superar as dificuldades da convivência humana de modo que as peças possam manter-se unidas
A história não dá saltos. Sua trajetória é construída momento a momento, passo a passo, ano a ano, geração a geração, peça a peça. Por isso é tão importante que se registre cada acontecimento, seja para repetir o que foi feito de bom e construtivo, ou para não incorrer nos erros do passado.
Estamos numa Academia, e é dela, por sua própria essência e finalidade, a atribuição institucional de resgatar a história e de preservar as experiências de cada momento de sua existência. É esse o fim insculpido, em síntese, no art. 1º de seu Estatuto: a preservação e resgate histórico de dados literários jurídicos, o aprimoramento das letras jurídicas, a produção e a difusão de obras no campo do Direito. E para participar dessa missão, acabei de prestar um compromisso, ao qual livremente me submeto.
Sendo uma instituição, ela há de sobreviver a cada um de nós, que temos o dever de nutri-la culturalmente até que todos tenham passado os bastões aos seus sucessores e à geração seguinte.
Vivemos no presente, como simples passageiros do tempo. Cada um, qual simples operário, participando da construçãoe formação histórica de sua época. E, pensando nisso, às vezes não me dou conta do tempo de minha vida – que já vai longe – dedicado ao estudo do direito. Nele, ousei ser professor, magistrado e advogado e, também, dentro das minhas limitações, escrevi e publiquei estudos de direito.
Não me dei conta que, fazendo tudo isso, agora estou às vésperas de completar meio século de vida profissional.
De repente, percebo que comecei essa vida profissional no século passado, época em que me pareciam velhos todos aqueles nascidos no século anterior.
Às vezes, pergunto a mim mesmo se isso faz tempo.
… E admito que não sei.
O tempo é relativo e passa conforme os momentos significativos que vivemos. Já ouvi dizer que não se pode medir a vida pelo número de vezes que respiramos. Ela deve ser medida pelo número de vezes em que perdemos o fôlego. Hoje, para mim, é um desses dias. Um dos dias em que perco o fôlego e anoto no meu calendário de jornadas, não o que passou, mas o dia que ganhei.
Perco o fôlego quando sou acolhido nesta casa com a saudação generosa de seu presidente, querido e velho amigo CÉSAR LUIZ PASOLD, que os anos em que acompanhei sua trajetória me permitiram admirar, cada vez mais, sua vida dedicada ao estudo, à cultura literária e jurídica, à advocacia e à formação de profissionais do direito nos mais elevados níveis.
Perco o fôlego, quando outro amigo, RICARDO JOSÉ ROSA, recebe-me como padrinho acadêmico, com o coração aberto e transbordante, e diz coisas que eu mesmo desconhecia, pelo menos não com as cores que ele escolheu para apresentar meu currículo, com imensa generosidade e afeto.
A ambos, quero externar aqui meus agradecimentos e, através deles, estendê-los a todos os acadêmicos que me trouxeram a esta casa, na qual adentro com imensa honra e indisfarçável orgulho.
Perco o fôlego, também, ao ver aqui tantos e tão queridos amigos, que vieram – alguns de muito longe – para prestigiar esta solenidade. Não preciso dizer que, neles, eu tenho um grande patrimônio afetivo, que quero cultivar por toda a vida.
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O ingresso nesta Academia permite-me trazer a ela, não, por certo, fórmulas ou estudos prontos para resolver os tantos problemas jurídicos que afligem a sociedade, mas, pelo menos, propostas para reflexão sobre temas tirados do arquivo da memória de quem viu, viveu e aprendeu nos muitos anos de trabalho registrados em seu livro de reminiscências, com páginas, algumas delas já amareladas pelo tempo e outras ainda com a alvura dos dias atuais, contendo, muitas vezes, apontamentos iguais aos de tempos idos para lembrar que as coisas se repetem: os erros, os problemas e as soluções – e relembrar que se os homens esquecerem os erros do passado, estarão fadados a repeti-los tantas vezes quantas forem os seus esquecimentos.
Em noites como esta, parece-me que tudo começou ontem. Permite-me esquecer todos os sacrifícios, e relembrar todas as lutas e todas as circunstâncias que muitas vezes me fizeram cansar e ao mesmo tempo sonhar.
Tive a ventura de trabalhar sonhando – por gostar da profissão que escolhi – e entender, por isso, que trabalhar e laborar são dois termos tidos por sinônimos, mas com origens semânticas bem diferentes. Trabalho tem origem em tripalium, um instrumento de tortura da antiguidade, enquanto labor significa produzir louvando. Quem ama o que faz, não trabalha, labora. Em instantes como este, agradeço a Deus por todos os momentos do passado que, laborando, dediquei à minha vida profissional.
Posso lhes assegurar que, durante todo esse tempo, fui conduzido por mãos invisíveis e inspirado por minha família e por meus amigos, por pessoas que amei e que amo, que admirei e que admiro, por tantos exemplos de dignidade e de dedicação ao direito e à causa da justiça, pessoas que me fizeram crescer, e nas quais tentei me espelhar e seguir os passos.
Foram tantos as pessoas e os juristas que me inspiraram ao longo de minha vida, que citá-los aqui correria o risco de omitir alguém, cometendo uma grave injustiça.
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Um deles, entretanto, posso citar em nome de todos os demais, porque ele também faz parte desta cerimônia. Esse homem foi grande em tudo que fez, em toda a obra que produziu e que moldou sua vida. Foi a um só tempo: professor, escritor, poeta, pensador, jornalista, político, magistrado, historiador e advogado; e foi também, um dos melhores e mais fluentes oradores que conheci. Em sua retórica, as palavras brilhavam, iluminavam e seduziam.
Esse homem, que neste momento destaco entre todos aqueles que inspiraram minha vida pessoal e profissional foi OTHON DA GAMA LOBO D’EÇA, patrono da cadeira que, com imenso orgulho e honra, passo a ocupar nesta Academia.
Sobre ele, ALMIRO CALDEIRA, disse numa feliz síntese, apresentando um de seus livros: “… não sendo isoladamente um poeta, um pensador, um jurista, um mestre, um amigo, um líder, foi tudo isto numa só versão de ser humano em modelo aperfeiçoado”.
O professor OTHON GAMA D’EÇA, deu-nos a segunda aula acadêmica do primeiro dia do curso de direito na recém criada Universidade Federal de Santa Catarina, que incorporou como uma de suas primeiras unidades universitárias a velha e querida Faculdade de Direito, que já se destacava, então, como dos melhores cursos formadores de juristas.
OTHON GAMA D’EÇA foi um dos mentores daquele curso de Ciências Jurídicas e estava entre os professores que mais brilharam nas salas de aula e no salão nobre do velho prédio da rua Esteves Junior, cujo pátio central, cercado de corredores e colunas, e com bancos de cimento moldado, lembrava uma escola de retórica da antiga Roma.
Ele nos ensinava Direito Romano, lembrando-nos – já nas primeiras aulas – que nenhum jurista é capaz de compreender o sentido de sua missão profissional, nem os métodos para exercê-la, se não conhecer a história do direito – imprescindível para a convivência humana – se não compreender a sua formação milenar, que só a genialidade dos antigos romanos foi capaz de moldar e aperfeiçoar, de modo a permitir a convivência de uma sociedade tão heterogênea.
Naquele mesmo pátio, nos intervalos das aulas, era comum vê-lo cercado de jovens acadêmicos, a quem contava histórias e emitia opinião sobre acontecimentos então atuais do Brasil, que vivia, também naqueles dias, um delicado momento de crise institucional.
E todos o ouviam – qualquer que fosse a posição ideológica de cada um – porque ali estava um formador de opinião que oferecia aos jovens toda uma vida de experiências, de encantos e desencantos políticos, de visão de mundo através da reflexão sobre o conhecimento das múltiplas atividades que compuseram sua vida.
O Direito Romano era exposto por ele – em toda a sua grandeza – com graça, beleza poética e colorido, como se nos mostrasse a antiga Roma através de um imenso telescópio do tempo a aproximar-nos do Fórum para ouvir Cícero, Júlio César ou Catão. Através dele, era possível sentir o clima dos debates dos juristas romanos e dos discursos dos tribunos no senado do povo.
Quando mais tarde fui estudar em Roma, tudo me lembrava aquelas aulas esplêndidas, como se a voz vibrante e entusiasmada do velho mestre me conduzisse ainda por aqueles locais, agora em ruínas.
Com a lembrança de suas aulas, aquelas imensas edificações pareciam estar ainda revestidas de mármore branco com algum orador a discursar para o povo à sombra do frontão do templo de Castor e Pólux, que era usado como local de reuniões do Senado Romano.
Sim, a narração de OTHON GAMA D’EÇA era capaz de reconstruir o passado a partir daquelas três colunas que sobreviveram altaneiras a dois milênios, e nos conduzir até lá, ao mesmo tempo em que podia iluminar o futuro de todos aqueles jovens que o ouviam com admiração e respeito.
OTHON GAMA D’EÇA foi daquelas figuras humanas que deixaram marcas exemplares e que sua Florianópolis soube homenagear dando o seu nome a uma das artérias principais da cidade: a Avenida Othon Gama D’Eça, que termina no mar da baia norte, que ele tanto lembrou em seus escritos e cantou em suas poesias.
NA LITERATURA, ele ingressou no início do século XX, ainda jovem (em 1918), com apenas 26 anos, ao publicar “Cinza e Bruma”, um livro de prosa poética em estilo penumbrista, onde revelou todo o amor que nutria pela sua Ilha, que, quando nasceu, ainda se chamava Desterro. Ali, ele a chamou de a Alma do Mar e da Saudade, depois poetou cantigas ilhoas, falou da areia de suas praias, da balada do silêncio, dos milagres do amor e dos males do mundo.
Dois anos depois, fundou e dirigiu a revista Terra, associado a ALTINO FLORES e IVO D’AQUINO, nomes também intimamente ligados à cultura de nosso estado.
Ainda em 1920, fundou, com JOSÉ BOITEUX e outros apaixonados pela literatura, a Sociedade Catarinense de Letras, mais tarde denominada Academia Catarinense de Letras, da qual foi Presidente de 1945 até sua morte (1965).
Três anos após (1923), publicou a novela Vindicta Braba na revista A República, incentivado por MONTEIRO LOBATO, onde produz com maestria a fala do ilhéu, o hoje chamado manezinho, com velhas palavras e velhas locuções oriundas das ilhas de onde vieram os primeiros colonizadores açorianos.
Em 1929, escreveu “… Aos Espanhóis Confinantes”, uma espécie de diário poético de uma breve epopéia (de 24 de abril a 16 de maio de 1929), vivida quando foi convidado a integrar a comitiva de ADOLFO KONDER ao território fronteiriço com a Argentina, no Oeste Catarinense, pouco antes da Revolução de 1930. A viagem não tinha outro objetivo senão o de integrar definitivamente aquela região ao território de Santa Catarina.
Em 1938 publicou “Homens e Algas”, sua obra mais conhecida, com crônicas sobre o homem do mar e seus sofrimentos. O livro narra, com amor e compaixão, todas as vicissitudes do homem do mar, sua luta pela sobrevivência e contra a natureza que lhe dava o alimento, mas que dele exigia, em troca, mais do que a força que ela mesma o obrigara a ter para enfrentá-la. Em Homens e Algas ele descreveu, como nenhum outro poeta ou prosador, a tristeza do pescador e seu duro destino.
Em 1962, concluiu “Centenário de Cruz e Souza”, Obra de histórias literárias.
Em 1992 (após sua morte), foi publicada “Nuestra Señora de L’Asunción”, um livro de impressões sobre uma viagem sua ao Paraguai.
Para NEREU CORRÊA – “por ser mais criativo que outros, GAMA D”EÇA permitiu-se certas liberdades de linguagem e estilo que o aproximaram de escritores que promoveram na paulicéia a revolução literária de 22. Por isso, não seria exagero dizer-se que ele foi em Santa Catarina, o único escritor modernista de sua geração”.
Como um dos pioneiros do ensino jurídico em nosso Estado, participou, como já mencionei, da criação da Faculdade de Direito de Santa Catarina (em 1932), junto com JOSÉ ARTUR BOITEUX, HENRIQUE DA SILVA FONTES, EDMUNDO ACÁCIO MOREIRA, NEREU RAMOS, PEDRO DE MOURA FERRO – todos patronos de cadeiras desta Academia – e tantos outros juristas que, mais tarde, seriam reconhecidos tanto nos meios jurídicos quanto na literatura e na política.
NA POLÍTICA, no Governo de ADERBAL RAMOS DA SILVA, foi Secretário de Segurança. Naquele tempo representava em Santa Catarina Plínio Salgado, o mentor do integralismo, de quem mais tarde se afastou quando já não acreditava mais em suas idéias políticas.
As aulas de GAMA D’EÇA nos abriram fronteiras e permitiram que superássemos inúmeros obstáculos ao longo de nossa vida profissional.
Esse homem, de quem neste momento exalto a memória, patrono da cadeira que nesta Academia passo a ocupar com imensa honra, foi um gigante. E assim o víamos, realmente.
Lembro do dia em que o visitamos em seu casarão na avenida Mauro Ramos. Apesar de nos receber com sua costumeira simpatia e largo sorriso, sentimos todos, naquele momento, a solenidade com que pisávamos no chão atapetado de seu escritório, rodeado de imensas estantes de livros e uma parede coberta de excelentes telas e gravuras, distribuídas desde o teto até quase o chão. Só agora descobri, por informação de um de seus netos, que algumas daquelas telas foram pintadas por ele mesmo e ladeavam obras primorosas, inclusive de MARTINHO DE HARO, quando este ainda era um pintor desconhecido em Campos Novos e que foi, muito antes de seu sucesso artístico, reconhecido por GAMA D’EÇA, então juiz de direito daquela comarca.
Atrás da mesa de trabalho havia uma grande janela, voltada para um pequeno jardim com muro de balaustres que dava para a rua.
A sala tinha o cheiro das antigas bibliotecas e o som era abafado pelo tapete e pelas estantes, como a surdina de um violino a filtrar a voz do velho mestre, em contraste com a voz vibrante, tonitruante, que se ouvia em suas aulas, reverberada pelas imensas e altas salas da Faculdade de Direito.
Percebi que ali era sua oficina intelectual; ali ele pensava, lia, escrevia em prosa e verso e dava vazão à sua genial criatividade. Há pouco também soube por seu neto homônimo, Othon, que, na sala ao lado, ele tocava piano e compunha músicas.
Era, realmente, uma inteligência iluminada e polivalente: “um ser humano em modelo aperfeiçoado”, como falou ALMIRO CALDEIRA.
Durante a visita, ele autografou para mim um exemplar de “Homens e Algas”, que, infelizmente, alguém depois o tomou emprestado e nunca mais devolveu. Hoje, aquele exemplar foi substituído em minha estante por uma edição mais nova, que já reli inúmeras vezes.
Na verdade, como lembrado por seu neto Othon – ao falar dele por ocasião de seu centenário -: “ele sabia como poucos comunicar-se com gerações diferentes” ,,,” Tinha-se a impressão que sua idade era apenas cronológica, porque espiritualmente sempre foi jovem“.
Sua verve nas aulas – lembro bem – era enriquecida por um gestual único. Ao iniciar sua fala, ele tirava do bolso de algibeira um relógio de ouro, abria-o e o colocava sobre a mesa. Naquele instante começava uma de suas aulas magistrais. Enquanto gesticulava, suas mãos davam rasantes sobre o relógio, sem atingi-lo, como para afastar o tempo que voava rápido enquanto ele nos contava suas histórias, que começavam na antiga Roma e chegavam aos dias atuais de então.
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Também naquele tempo, vivíamos um momento de inquietude política como a que experimentamos nos dias de hoje. A sociedade brasileira estava abalada pela recente renúncia de um Presidente e pelo despreparo dos que o sucederam.
As instituições estavam feridas, e com elas, toda a nação … e o direito estava em crise, porque todo sistema jurídico é filho de sua história. Não há como estudá-lo sem ter uma visão multifacetada da sociedade em que se vive: de sua formação, de sua cultura e de seus valores.
Desde aquele tempo ouço falar na crise do direito, que foi tema de inúmeras obras escritas por grandes juristas. No começo, ainda jovem, eu me preocupava com a expressão crise, porque associava a palavra ao risco inquietante de uma doença terminal. Até que percebi que as crises sociais são diferentes, elas servem para sacudir a sociedade e despertá-la de letargias.
“A civilização – como lembrava o historiador inglês ARNOLD TOYNBEE – só desperta e avança quando fustigada pelas tempestades”.
A sociedade precisa de crises para aprimorar-se. E deve superá-las através do direito e não por qualquer outro meio.
Muitos governantes e políticos parecem não entender ainda as lições da história, que aponta o caminho da decadência política e social das sociedades comandadas por agentes despreparados e inescrupulosos, que fertilizam terrenos para deles tirar proveito próprio.
Esta academia, por ser formada de juristas, constitui o foro apropriado para analisar, à luz do direito, o momento delicado que vive a sociedade brasileira.
O jurista precisa olhar o mundo segundo uma visão sociológica – como ele foi e como ele é – para perceber tudo o que o transforma a cada momento. Precisa entender, de modo imparcial, o anseio da sociedade e de cada cidadão, tanto quanto permitam os limites de sua visão jurídica e política. Ele precisa ver as causas para avaliar os resultados e, antes, encontrar soluções capazes de impedir o impacto das transformações bruscas. Precisa entender que nas democracias é a lei que transforma a sociedade sempre que ela precisa ser mudada.
Essa é a razão que fez MIGUEL REALE fazer um alerta àqueles juristas que são só juristas.
Se o jurista não tiver uma visão conjunta da natureza humana e social e não for capaz de buscar na lei a solução dos conflitos, ele será levado a optar pela violência e então deixará de ser jurista para tornar-se um revolucionário e querer destruir as instituições democráticas.
O jurista precisa aprimorar-se permanentemente. E nenhum outro foro é mais adequado para discutir problemas e buscar soluções para os males que afligem a sociedade do que as academias jurídicas, pela sua própria natureza e fins.
Diante desse panorama, o direito no Brasil precisa ser permanentemente repensado e realimentado para promover as mudanças necessárias ao aprimoramento da democracia, que nunca será uma obra concluída; será sempre um processo em permanente mutação, que jamais deve ser interrompido.
Debater essas questões do interesse da sociedade e, portanto, do direito, é a função de instituições como esta, que, não tendo coloração político-partidária, pode melhor apreciá-las com a isenção de quem observa criticamente a sociedade, e com a percepção de quem a vive e sente.
Minha geração experimentou momentos de intensas e rápidas mudanças. Foi uma geração intermediária em que a tecnologia mudou a face do mundo e as comunicações o tornaram a aldeia global de que nos falava o sociólogo canadense MC LUHAN.
Diante dessa realidade, poderia o direito conservar-se fechado no tempo?
É claro que não !
O direito precisou e precisa adequar-se permanentemente aos novos tempos, à nova realidade social. Em todos os seus segmentos, o direito precisou aparelhar-se para intervir nos conflitos gerados pelas mudanças. Os velhos ramos do direito: Civil, Penal, Comercial sofreram mutações intensas, que no passado eram impensáveis: o Direito do Trabalho nasceu desmembrado do Direito Civil e experimentou um crescimento rápido e surpreendente; O Direito Ambiental foi concebido e logo adquiriu independência; o Direito do Consumidor surgiu e criou mecanismos imediatamente acolhidos por outros ramos da ciência jurídica.
Seria fastidioso enumerar aqui tantas outras derivações, mas é necessário lembrar que o direito é um modo de compreensão da conduta, imprescindível à ordenação da convivência humana, que é uma tarefa dos homens, não um imperativo da ordem natural das coisas. O direito, portanto, não é algo que se vê, é, antes, uma luz que nos permite ver e sentir o que está à nossa frente. E aquilo que queremos ver e sentir é a vida em sociedade em busca da paz, da harmonia e da felicidade.
Isso é possível? … É evidente que sim.
Não faria sentido buscar o aprimoramento do direito e se não tivéssemos esperança de alcançar a paz e a harmonia na sociedade.
Apesar de tudo o que vemos, é preciso olhar o mundo com otimismo e, do ângulo mais propício, enxergar a sua beleza. Afinal (utilizo aqui um provérbio árabe), “não se pode dizer que as estrelas morreram só porque o céu está nublado”.
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Senhor Presidente,
Antes de concluir, desejo fazer três registros especiais, além de reiterar a todos os amigos e amigas que aqui vieram os meus agradecimentos:
Primeiramente, quero externar minha grande satisfação pela justa homenagem que esta Academia presta nesta solenidade à Desembargadora do Trabalho IONE RAMOS, magistrada que honrou a Justiça do Trabalho com seu talento, cultura jurídica e dedicação.
Sou testemunha e dou aqui testemunho – porque com ela convivi no Tribunal durante longos anos – da sua grandeza e senso de justiça, que moldaram sua passagem naquela Corte de Justiça.
Não foram poucas as vezes que divergimos em nossos posicionamentos no exame de processos, mas em nenhum momento faltaram a dignidade e o respeito necessários ao debate de alto nível que nortearam nossa judicatura.
Quero externar, também – e o faço com imenso prazer e honra – a minha admiração ao eminente magistrado ROBERTO BASILONE LEITE, o mais novo desembargador do Tribunal do Trabalho de Santa Catarina, que será empossado no próximo dia 11, cuja obra é hoje destacada nesta solenidade, colocada no atril do proscênio sublime. Uma homenagem justa sob todos os aspectos, por se tratar de um magistrado exemplar, que empresta à Justiça do Trabalho seu talento e sua dedicação, ao mesmo tempo em que nos brinda com uma obra já extensa de publicações voltadas aos problemas jurídico-laborais e políticos, que requerem maiores preocupações e debates.
Tenho acompanhado a vida do Dr. ROBERTO BASILONE LEITE desde seu ingresso na magistratura do trabalho, quando mostrou-se, desde logo, um magistrado de envergadura, um colega exemplar e um amigo fraterno a quem prezo e admiro.
Estes dois registros, Senhor Presidente, são feitos com o mais vivo sentimento de afeto, consignando que me sinto gratificado pela oportunidade de dizer nesta solenidade de minha posse como acadêmico, o quanto ambos representam para mim. Na verdade, irmanados pelo mesmo trabalho profissional e pelos mesmos ideais, construímos juntos nossas histórias, que hoje, mais uma vez se entrelaçam para celebrarmos o dom da vida e da amizade.
Por fim, desejo registrar e agradecer, de modo muito afetuoso, a presença de familiares de OTHON GAMA D’EÇA, que vieram prestigiar e dar brilho a esta solenidade, dos quais colhi – em várias conversas – informações valiosíssimas sobre o cotidiano familiar e a intimidade do homenageado, e recebi deles, por empréstimo, livros e escritos seus, que servirão para traçar um breve histórico de sua vida, que, por ser tão rica, não caberia num simples discurso. Um perfil biográfico será feito oportunamente e entregue a esta Academia, como contribuição, para que conste do registro de seus patronos.
Obrigado a seus netos Othon, Rodrigo e Maria Izabel e seu esposo Ricardo.
Obrigado a todos.
SALA DO CONSELHO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SECÇÃO DE SANTA CATARNA, EM FLORIANÓPOLIS, AOS 03 DIAS DE DEZEMBRO DE 2014, ÀS 19 HORAS E 30 MINUTOS.