Discurso de Posse de Orlando Luiz Zanon Júnior (08/04/2016)

Orlando Luiz Zanon Junior[1]

Cadeira 38 – Patrono Belisário Ramos da Costa

Ilustríssimas confreiras e ilustríssimos confrades.

Demais autoridades.

Senhores e senhoras presentes.

Também amigos e amigas.

E, muito especialmente, meus familiares.

A minha breve exposição, de 20 minutos, seguirá a tradição deste Sodalício e, assim, será desenvolvida em duas partes. A primeira recupera a memória sobre a vida e a obra do meu patrono: Desembargador Belisário Ramos da Costa. E a segunda contempla meus votos de responsabilidade para esta egrégia Academia.

Sem delongas, inauguro a primeira parte, relembrando aspectos notáveis da trajetória e do refinado estilo literário do meu ilustríssimo patrono.

Belisário Ramos da Costa nasceu em Lages, em 04 de novembro de 1913, de Otacílio Vieira da Costa e Adélia Ramos da Costa.

Desde cedo, teve exemplar contato com as letras jurídicas, pois seu pai foi advogado e político de considerável destaque em nossas terras, tanto que deu nome ao Município de Otacílio Costa.

 Também seu irmão mais velho, Licurgo Ramos da Costa, foi influente advogado, jornalista, político, escritor e historiador, exercendo posições de relevo, notadamente em embaixadas brasileiras, além de integrar a Academia Catarinense de Letras.

Seguindo os passos do genitor e do irmão mais velho, Belisário Ramos da Costa enfocou os estudos jurídicos.

Graduou-se na Faculdade de Direito de Porto Alegre e, inicialmente,  foi nomeado Promotor Público da Comarca de Campos Novos.

Porém, posteriormente, optou pelo caminho da magistratura.

Ingressou no cargo de Juiz Substituto, mediante concurso público, em 1941, exercendo suas funções em Joinville. Depois, judicou em Bom Retiro, São Joaquim, Curitibanos, Araranguá, Canoinhas, Tijucas, Laguna e Lages.

Foi o quinquagésimo quarto magistrado a alçar o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no ano de 1955. Inclusive, presidiu nossa Corte de Justiça, desde março de 1966 até o mesmo mês de 1968. Igualmente quanto ao Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, de abril de 1963 até agosto do mesmo ano.

Além da destacada carreira na magistratura, acumulou o magistério na Universidade Federal de Santa Catarina, onde lecionou a disciplina de Direito Penal e, também, exerceu a função de Chefe do então Departamento de Direito Público e Ciência Política.

Após seu falecimento, no ano de 2000, deu nome ao Fórum da Comarca de Campo Belo do Sul.

Depois desta brevíssima biografia, assinalo que, do legado teórico de Belisário Ramos da Costa, cabe destacar os votos de sua lavra, preservados no escólio jurisprudencial da Casa da Justiça Catarinense[2].

Com redação sofisticada e traços elegantes, sua produção profissional representa um marco de destaque entre as peças processuais de sua época, legando lições extraordinárias para as gerações futuras. Neste particular, importa lembrar sua vocação para o recorte preciso dos pontos relevantes e, também, para o rigor técnico na exposição dos elementos de resolução dos pontos controvertidos.

Casos complexos são facilmente compreendidos e assimilados através de sua pena precisa e objetiva.

O mais impressionante, entretanto, era sua capacidade de proferir os julgamentos com objetividade e, simultaneamente, também incorporar os critérios legais, doutrinários e jurisprudenciais relevantes, na medida exata para bem resolver a causa. Na sua dicção, o magistrado deveria decidir “sem vulnerar a lei, preterir o ensinamento dos mestres e a jurisprudência dos Tribunais[3].

Impressionante, ainda, a atenção dada a todas as colocações trazidas pelos advogados em suas razões recursais, porquanto não deixava de referir as ponderações normativas e doutrinárias invocadas, para o fim de discutir sua efetiva aplicabilidade ao caso concreto[4].

Tais breves recortes de seu trabalho foram trazidos a este discurso justamente porque demonstram inegável estímulo acadêmico, por sua clareza solar e, também, pela redação precisa, que bem refletem o perfil de Belisário Ramos da Costa.

Não há como se descuidar dos ensinamentos ali contidos, os quais evidenciam a importância de se preservar o legado técnico literário dos renomados juristas catarinenses, notadamente dos patronos da Academia Catarinense de Letras Jurídicas.

Trata-se esta, sem dúvida, de uma grande responsabilidade, mas que é temperada pelos saborosos momentos de aprendizado, em que nos deleitamos em ler peças técnicas que, indubitavelmente, representam, aos olhos dos juristas, uma verdadeira herança artística.

Daí que, além de sua relevância acadêmica, os textos deixados por Belisário Ramos da Costa certamente constituem brilhantes faróis para me guiar pelas águas, por vezes tormentosas, da investigação científica no campo do Direito!

Quão salutar e satisfatório é aprender com os bons escritos dos extraordinários das letras catarinenses!

Dito isto, inauguro a segunda fase desta breve exposição, precisamente ressaltando que relembrar as características literárias de grandes juristas catarinenses certamente tende a contribuir para as pesquisas científicas que possam auxiliar no aprimoramento de nosso sistema jurisdicional, que se vê perante inúmeros desafios nesta quadra da história.

Com efeito, juízes, promotores, defensores e advogados não dispõem de instrumentos científicos suficientes e afinados para lidar com o crescente número de violações ao Ordenamento Jurídico e, justamente por isto, nossas instituições não conseguem apresentar soluções rápidas e adequadas aos problemas que permeiam os contextos social, político e econômico. Pode parecer que, neste momento da fala, estou a repetir o alerta já levantado há algumas décadas, no sentido de que, em brevíssima síntese, a velocidade da movimentação social teria superado a capacidade de repostas institucionais, notadamente por parte do Estado. Mas não é apenas isto: atualmente, já se pode dizer que o sistema jurisdicional está na beira do precipício e, se soluções não forem implementadas, a próxima geração de catarinenses encontrará uma jurisdição simplesmente paralisada, transformando em letra morta o acesso às garantias judiciais.

Em números, basta dizer que, quando iniciei a produção deste breve discurso, no final do ano de 2015, o Conselho Nacional de Justiça apontou uma estimativa de 100 milhões de processos em tramitação na jurisdição nacional, expressão esta que aqui refere todos os ramos do Poder Judiciário brasileiro. Porém, agora em meados de 2016, poucos meses depois, o chamado Placar da Justiça já está atingindo a marca de cerca de 110 milhões de processos. Neste ritmo vertiginoso, é plausível a constatação da necessidade de repensar a nossa estrutura de tutela jurisdicional, porque o atual estado de lentidão, muito em breve, será o de efetiva paralisia, como já nos alertaram os juristas de outrora, cuja sabedoria este Sodalício visa preservar[5].

Mas não é só isto. Ultrapassando nossas fronteiras, vê-se a dificuldade em lidar com um novo mapa de problemáticas, que frequentemente surgem de inopino e cobram soluções céleres, as quais, em certa medida, corrompem as noções jurídicas estabelecidas. Só para exemplificar, menciono a questão europeia acerca das migrações, que levam pessoas de países em situação de conflito armado para os chamados grandes centros desenvolvidos, de modo a inaugurar uma tormentosa discussão sobre o custeio econômico necessário para extensão dos direitos fundamentais dos nacionais também para estes estrangeiros, sem olvidar das dificuldades de inserção e aceitação cultural. As respostas não podem tardar neste tipo de casos, haja vista que, no exemplo dado, as famílias dos chamados refugiados aguardam em abrigos carentes de estrutura adequada.

E, diante deste contexto fático, os Cientistas do Direito são chamados a propor soluções para as dificuldades vivenciadas pelos profissionais jurídicos, porquanto esta é sua efetiva missão. Há alguns que, a exemplo do juiz Richard Posner, fazem provocações sobre o afastamento dos pensadores acadêmicos perante os dilemas cotidianos dos agentes políticos. Segundo o polêmico juiz e professor, as mais capacitadas mentes da academia teriam virado as costas para as questões práticas controversas da jurisdição contemporânea, porquanto se voltam para discussões teóricas de alta abstração e pouca resolubilidade pragmática[6].

Todavia, tal crítica não se aplica à academia jurídica catarinense, pois, de longa data, esforça-se na consecução de pesquisas de alto nível especificamente voltadas ao desenvolvimento de nosso sistema jurisdicional. Notadamente, os cientistas jurídicos catarinenses reconhecem sua responsabilidade em efetuar propostas que possam auxiliar para a construção e o desenvolvimento de um sistema de resolução de conflitos mais sofisticado, visando o enfrentamento das crescentes dificuldades e, também, auxiliar na pacificação social e no desenvolvimento econômico. Aliás, este Sodalício é um notável exemplo disto, porquanto visa preservar os ensinamentos jurídicos do passado e, também, produzir conteúdo inovador para as gerações futuras, desta forma mimetizando e louvando a postura de seus Patronos.

Para enfrentar novos problemas, a exemplo daqueles antes mencionados, são necessárias novas leituras das lições legadas pelo passado e, quiçá, o desafio de produzir uma herança de novas lições para o futuro. Esta a missão e a vocação da Academia Catarinense de Letras Jurídicas.

Gostaria de abrir aqui um breve espaço para insistir quanto à importância de se refletir não apenas dentro dos quadros das grandes tradições teóricas, mas também de se permitir pensar além daquilo já esquadrinhado. Aqui, faço questão de reiterar o respeito ao legado deixado pelos grandes pensadores. Porém, isto não significa que devemos nos abster de buscar inovações, ainda que pareçam subverter o panorama vigente.

A ousadia de pensar além, em busca de soluções que residem em outras leituras da realidade, não deve ser reprimida, sob pena de estagnação. É preciso admitir inovações razoáveis, ainda que sejam firmadas em bases disciplinares que contradigam os compromissos teóricos que já temos enraizados. A ressalva a ser registrada é de que tal ousadia deve ser bem fundamentada e, se me permitem, sinceramente voltada ao aperfeiçoamento do sistema e melhoria de nossa Sociedade, não apenas como um esforço para ser diferente ou inflar egos. Daí que o amor pelo conhecimento, que plantou a semente da reflexão no gênio grego, não significa o apego emocional por um paradigma científico consolidado ou marco teórico específico, mas sim conhecer as teorias vigentes para, a partir delas, propor um avanço racional.

É somente assim, não de quaisquer outras formas, que nosso campo de estudos poderá se desenvolver: respeitando as heranças do passado, mas ousando pensar além.

Muito obrigado.


[1]Juiz de Direito. Doutor em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Dupla titulação em Doutorado pela UNIPG (Itália). Mestre em Direito Pela UNESA. Pós-graduado pela UNIVALI e pela UFSC. Professor da Escola da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC), da Acadêmia Judicial (AJ) e do Programa de Pós-graduação da UNIVALI. Autor de diversos artigos científicos e de livros, dentre eles Teoria Complexa do Direito. 2 ed. Curitiba: Prismas, 2015.

[2]Biografia de Belisário Ramos da Costas construída, principalmente, com base em RAMOS FILHO, Celso. Coxilha rica: genealogia da família Ramos. Florianópolis: Insular, 2002.

[3]Ver acórdão da Apelação Cível 5.929 da Comarca de São José.

[4]Para ilustrar, veja-se a Apelação Cível 5.645, sobre ação de divisão de terras, em que Belisário analisa cada argumento deduzido, cotejando-o com as provas coligidas aos autos.

[5]O quantitativo de processos é uma aproximação livre para setembro de 2015, considerando que, segundo o relatório Justiça em Números para 2015, o ano de 2014 iniciou com um estoque de 70,8 milhões de processos e, até o seu final, foram ajuizadas mais 28,9 milhões, sendo que o ingresso de novas demandas é historicamente superior ao quantitativo de julgamentos proferidos. Daí que, sobre a estatística, recomenda-se: CNJ. Justiça em Números 2015. Disponível: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso em: 18.09.2015. Complementando, quanto ao estoque referido e também sobre o percentual de participação dos grandes litigantes, recomenda-se a visualização do seguinte vídeo: AMB. Não Deixe a justiça parar. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B1fMnw0wxOg. Acesso em 18.09.2015.

[6]Paráfrase baseada em algumas das ideias gerais veiculadas em POSNER, Richard Allen. Direito, Pragmatismo e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. E também em POSNER, Richard Allen. Divergent paths: the academy and the judiciary. Cambridge (MA): Harvard University Press, 2016.

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