7/12/2023
DICURSO DE POSSE DO ACADÊMICO MARCELO BUZAGLO DANTAS NA CADEIRA N° 33, DA ACALEJ, QUE TEM POR PATRONO EVILÁSIO NERI CAON, EM 7/12/2023, 19h, NO AUDITÓRIO TÚLIO GONDIN DA OAB/SC, EM FLORIANÓPOLIS/SC
Sr. Presidente da Academia Catarinense de Letras Jurídicas Acadêmico José Isaac Pilati, autoridades da mesa, senhoras e senhores acadêmicos, Sras. e Srs., esta é uma noite de grande júbilo para mim e para todos os que me querem bem. E é uma noite dotada de imensa simbologia. De fato, são muitas as afinidades e coincidências que se podem observar neste momento solene, que representa, para mim, o ápice da minha modesta trajetória acadêmica, literária e profissional.
A começar pela data escolhida para a minha posse na Cadeira n. 33, da Academia Catarinense de Letras Jurídicas. Dia 07/12 é o dia em que meus genitores, Waldomiro Dantas e Fortunata Buzaglo Dantas, há 64 anos, casaram-se. Meus pais foram o embrião daquilo que sou. Não apenas por terem me dado a graça da vida, mas pelos inúmeros ensinamentos, bons exemplos e estímulos que me levaram a sempre buscar trilhar um bom caminho.
O local que escolhi para a minha posse não poderia estar carregado de maior simbologia. A Ordem dos Advogados do Brasil, minha casa desde os idos de 1994, quando de minha primeira inscrição como estagiário. Não há como não referir que, além do empossando, os ilustres juristas homenageados desta noite, todos de estatura moral e intelectual de grande envergadura – Drs. Evilásio Caon (patrono da cadeira), Paulo Blasi (que teve sua obra cultuada) e Olavo Rigon (jurista homenageado) – igualmente sempre tiveram na advocacia a sua principal atividade. Os dois primeiros, inclusive, exerceram, com galhardia e altivez, o elevado cargo de Presidente da Seccional de Santa Catarina (Dr. Evilásio, de 1981 a 1983) e, Dr. Paulo, de 1989 a 1991). Estes dois receberam ainda a Medalha João Baptista Bonassis, a maior honraria outorgada pela Seccional.
Juristas de seus tempos, os três (Olavo ainda hoje) sempre foram, para mim, sinônimo de ética, correção, competência, dentre outros atributos que igualmente me serviram e continuam a servir de inspiração em minha vida pessoal, profissional e acadêmica.
Não tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Dr. Evilásio Neri Caon. Entretanto, ao saber que era a cadeira que o tinha como patrono que eu iria ocupar, fui tomado por grande emoção. Por inúmeras razões. A primeira é ter de imediato me lembrado de meu pai referindo-se a ele como um dos grandes advogados de sua época. Recordei-me também, que, logo ao ingressar no Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, eu, que não tinha ninguém da família na área jurídica em SC, ouvia o nome do Dr. Evilásio ser reverenciado por alunos e professores. Além disso, sua filha Juliana foi minha aluna na Escola do Ministério Público e com ela tive uma convivência harmoniosíssima na ocasião, retomada agora, anos depois, por conta desta feliz coincidência. Como se não bastasse, tive, em anos recentes, o privilégio de atuar em parceria com o escritório Evilásio Caon em algumas causas cíveis e criminais, o que me permitiu, ainda que por vias reflexas, ter contato com preciosas lições do eterno jurista. Devo isso, em especial, ao valoroso colega e amigo Leonardo Pereima de Oliveira Pinto.
Dr. Evilásio nasceu em Vacaria, em 28/02/1929. De lá mudou-se para Lages, tendo estudado no Colégio Diocesano e, depois, no Colégio Nossa Senhora do Rosário. Foi então para Porto Alegre e ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, tendo se formado em Direito em 1952. Retornando a Lages para advogar, tornou-se o vereador mais votado do Município em 1954 e Presidente da Câmara em 1958. Logo começou a escrever no jornal local e se associou a José Paschoal Baggio, que era o tio da Sra. Maria Theresinha, que veio a se tornar sua esposa, que aqui nos honra com sua presença. É em Lages que nascem os filhos mais velhos Leoberto, conceituado advogado, casado com Simone e pai de Rafaella e Dagoberto (médico, precocemente falecido), pai de Daniel, Marcello e Leonardo. Em 1959, elegeu-se Deputado Estadual, na primeira de outras legislaturas, até 1969, quando teve seus direitos políticos cassados com base no Ato Institucional n. 5. Antes, porém, foi Secretário do Trabalho, Secretário da Justiça e fundador do MDB, tendo sido seu primeiro presidente. Quando se elegeu Deputado, mudou-se para Florianópolis e foi nesta Capital que viria a se tornar o grande ícone da advocacia civil e criminal do Estado. Foi onde nasceram seus dois outros filhos, Evilásio Jr. (engenheiro), casado com Tadjana e pai de Ana Elisa e Fernando e Juliana (advogada e administradora), casada com Guilherme e mãe de Isabel e Beatriz. Dr. Evilásio faleceu precocemente aos 68 anos de idade, no dia 03 de junho de 1997, após ter merecidamente recebido os títulos de Cidadão Lageano, Cidadão Honorário de Florianópolis e, como já referido, a medalha João Baptista Bonassis, pelos relevantes serviços prestados à Seccional, por mais de 30 anos.
Na vida pessoal, Dr. Evilásio foi uma pessoa de hábitos simples, que gostava da vida no campo e tinha paixão por sua fazenda, onde teria ido morar se a vida tivesse permitido e para onde ia com frequência, andar a cavalo e privar de momentos junto à natureza, sempre acompanhado de sua valorosa esposa, que esteve a seu lado em todos os momentos, inclusive naqueles mais difíceis, em que foi brutalmente golpeado politicamente.
Um homem dócil, de fino trato, incapaz de levantar a voz com quem quer que fosse, era muito próximo dos pais e dos irmãos, fiel aos seus amigos, que conservou por uma vida, com destaque para o saudoso Des. Cid Pedroso, patrono da cadeira n. 28, ocupada pelo acadêmico Nelson Schaefer Martins.
Como advogado, notabilizou-se por ser um escriba objetivo e preciso, que fazia petições curtas e sintéticas, que ele próprio tributava ao fato de sempre ter sido um leitor voraz. Gostava de frequentar o Fórum, mesmo que não houvesse uma razão específica, mas apenas para encontrar as pessoas e conversar com os servidores, a quem tratava com extrema gentileza. Tribuno consagrado no Plenário do Júri (realizou mais de 200), alternava com outros dois criminalistas a defesa dos grandes casos. Um deles era Acácio Bernardes, patrono da cadeira n. 14, ocupada pelo acadêmico Ruy Samuel Espíndola.
Tanto na política quanto na advocacia, revelou-se um defensor das liberdades individuais, das garantias fundamentais, do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito.
Sempre respeitou os resultados dos julgamentos, ainda que lhe fossem contrários.
Sereno e resiliente, jamais se queixou de qualquer doença. Na véspera de sua morte, fazia projeções para o ano seguinte, mostrando aos filhos e à esposa a mesma dignidade com que viveu.
Juliana, sua filha caçula [como eu], define-o como “humilde, sem ser simplório, orgulhoso, sem ser arrogante”. Já Evilásio Jr. aduz, com a simplicidade do pai, que o mesmo era “um cara sério quando precisa ser sério e extrovertido quando a situação permitia”. E ainda: “Gentil, inteligente, humilde, muito bacana, responsável e cumpridor de suas obrigações”. Já Leoberto, ao apresentar obra que organizou em homenagem aos cinquenta anos de atividade do escritório, refere-se ao fundador, seu pai, como “o singular e maravilhoso advogado Evilasio Caon”.
Em suma, um grande homem! E um grande advogado, que, não à toa, empresa seu honrado nome ao prédio em que hoje nos encontramos, a sede da Seccional Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil. Que eu possa honrar esta cadeira n. 33, que tem como patrono alguém da envergadura moral e intelectual de Evilásio Neri Caon.
Faço aqui também um tributo ao Dr. Paulo Henrique Blasi, cuja obra é cultuada nesta sessão solene. Dr. Paulo, um professor e advogado respeitadíssimo, referência em sua área de atuação (o Direito Administrativo, tendo sido Professor Titular da cadeira na Universidade Federal de Santa Catarina), foi, de longe, um dos juristas catarinenses de maior destaque no cenário nacional em todos os tempos. Fundador do Programa de Pós-Graduação em Direito daquela entidade, que coordenou por doze anos, teve, entre seus alunos e discípulos, a maior parte dos grandes professores de hoje, dentre eles, o Prof. Paulo Márcio Cruz, aqui presente. Não à toa o acadêmico Umberto Grillo – por quem eu nutro profunda admiração e amizade, que foi aluno do mestre –, teve a oportunidade de salientar que ele “influenciou toda uma geração de juristas, não só pelo conteúdo e pela clareza com que expunha suas idéias, mas sobretudo pelo exemplo de vida pessoal e profissional”.
A vida e a obra do Dr. Paulo não se resume ao livro que é aqui reverenciado. Ela é muito maior e possui um valor impossível de ser mensurado, pois reverbera até hoje e continuará a se refletir para a eternidade. Seu filho, o Des. João Henrique Blasi, Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina até há pouco, assim como seus netos Mariana, Guilherme, Alexandre e Juliana, todos advogados, são a prova viva de que o bom fruto não cai longe da árvore.
Embora eu não tenha tido o privilégio de conviver e de acompanhar a trajetória dos Drs. Evilásio Caon e Paulo Blasi, tenho por ambos a mais profunda admiração por seus valores éticos e morais e por suas características, que, não sem razão, remetem-me novamente, pela dedicação acadêmica e profissional, pela integridade e retidão de caráter, a meu saudoso pai.
Se não pude conhecer esses dois juristas de elevada estirpe, de outro lado, o destino me deu o privilégio de conviver e de privar da amizade do maior advogado catarinense da atualidade, o homenageado desta noite, Dr. Olavo Rigon Filho. Dotado de uma capacidade intelectual invejável, fruto de reconhecidos estudo profundo e dedicação inesgotável, Dr. Olavo é uma unanimidade entre os operadores jurídicos de Santa Catarina. De fato, em todos os rincões, ele é reverenciado como um profissional altamente gabaritado, ético, que esbanja conhecimento e erudição. Sempre foi, para mim, a grande referência na advocacia. Procurei – e ainda procuro – seguir fielmente seus passos, o que me é dado fazer graças à generosidade com que sempre me abriu as portas para tanto, conhecendo a si, ao seu prestigiado escritório e à sua gentil e distinta família – com especial destaque para seu filho Igor, que me deu o privilégio de figurar como seu orientador de Mestrado. Jamais esquecerei da noite em que eu, precisando de aconselhamento jurídico, mas também pessoal, fui recebido por Olavo e sua esposa Helena no apartamento de ambos na cidade de Itapema, onde tivemos uma conversa de várias horas, regada a um excelente vinho e a um belíssimo churrasco, que ele próprio preparou. Faltou, Rodrigo, incluir esse relevante fato [de ter sido servido por Olavo Rigon] no meu currículo lattes. Brincadeira à parte, dali saí emocionado e com o coração cheio de esperança de dias melhores. Essa é apenas uma das muitas dívidas pessoais e profissionais – impagáveis em uma única vida – que tenho com esse notável jurista, que também é um ser humano dos mais diferenciados.
Enfim, Evilásio Caon, Paulo Blasi e Olavo Rigon são a personificação daquilo que Calamandrei, na obra que me serviu de inspiração em toda a vida (Eles, os Juízes, vistos por um advogado), considerava como o “grande advogado”. São as palavras do emérito processualista italiano:
Que quer dizer grande advogado? Quer dizer advogado útil aos juízes para ajuda-los a decidir de acordo com a justiça, útil ao cliente para ajudá-lo a fazer valer suas razões.
Útil é aquele advogado que fala o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não entulha a audiência com sua personalidade invasiva, não aborrece os juízes com sua prolixidade e não os deixa suspeitosos com sua sutileza – exatamente o contrário, pois, do que certo público entende por “grande advogado”.
Ingresso na Academia Catarinense de Letras Jurídicas com grande disposição para continuar a defender os valores que sempre cultuei ao longa de minha trajetória. Sou imensamente grato, Sr. Presidente, pela propositura e pela aceitação unânime a meu modesto nome.
Sou um árduo defensor da liberdade de expressão, tão maltratada no Brasil de hoje. Da possibilidade de cada indivíduo poder sustentar aquilo em que acredita, devendo ter seu ponto de vista respeitado em toda e qualquer hipótese. Defendo, como mantra, a máxima de Voltaire, segundo a qual “não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte, o vosso direito de dizê-la”.
Sou veementemente contrário a toda e qualquer forma de barbárie, como aquela, que, lamentavelmente, vemos repetida no mundo nos últimos tempos. Com tristeza percebo que as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial não foram suficientes para ensinar o ser humano a tratar o próximo como a si mesmo.
Acredito nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e nos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, apesar de tão vilipendiados e mesmo dilacerados nos dias de hoje. Continuo a crer, contudo, que dias melhores hão de vir.
Sou um partidário da democracia e acredito, com Winston Churchill – meu ícone e de minhas filhas –, que ela é, de fato, “a pior forma de governo exceto todas as outras que tenham sido experimentadas de tempos em tempos”.
Dediquei minha vida profissional e acadêmica ao estudo e à prática do Direito Ambiental. Procurei exercer minha profissão de advogado e minha função de professor sempre pautado na defesa intransigente do princípio da legalidade e na plena possibilidade de harmonização entre o desenvolvimento econômico e social e a proteção do meio ambiente. Sempre entendi que a necessidade de se dotar a população de bens e serviços indispensáveis à vida digna deve se dar através de atividades que observem o também indispensável equilíbrio ecológico. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem crescimento econômico que não observe as regras do bem comum, nem intocabilidade do meio em que vivemos. É esse equilíbrio que tenho tentado defender ao longo de quase três décadas, nas inúmeras oportunidades que tenho tido de atuar, seja na prática da advocacia, seja na vida acadêmica.
Concordo em gênero, número e grau, com o jurista norteamericano Joseph Canon, na magnífica obra Environment in the Balance, para quem “ambientalistas também incluem antropocentristas, que baseiam o imperativo da proteção ambiental na importância de sistemas naturais saudáveis para o bem estar dos seres humanos”.
Considero que alcancei na vida boa parte daquilo a que me propus e me sinto privilegiado por isso. Os maiores sonhos da juventude, que já começa a ficar longínqua, vêm sendo paulatinamente realizados. Sempre com grande orgulho, mas sem um pingo de vaidade. Com satisfação, mas sem euforia. Aprendi desde muito cedo com meu pai – sempre ele – a ser humilde. A tratar a todos de forma gentil e igualitária.
Como dizia o filósofo grego estoico Epicteto, no extraordinário “A Arte de Viver”,
Evite tentar conquistar a aprovação e a admiração dos outros. Lembre-se de que você está em busca de um caminho mais elevado. Não deseje que eles o vejam como uma pessoa sofisticada, incomparável ou sábia. Na realidade, desconfie se for visto pelos outros como alguém especial. Fique alerta para não adquirir um falso sentimento de autoimportância.
Sou sabedor de que a minha carreira, é fruto de uma construção que não é só minha. Divido-a com todos os que participaram, direta ou indiretamente, em maior ou menor grau, desses anos de minha existência. As vitórias são tanto minhas como de cada um daqueles que fizeram a diferença em minha vida. Além disso, como aprendi na infância, em lema que também me acompanhou desde sempre, “é bom ser importante, mas o mais importante, é ser bom”.
E, neste momento em que caminho para concluir esta fala, faço uma paráfrase parcial da Carta de Paulo a Timóteo, pois creio que ainda não terminei minha corrida. Mas, certamente, combati, ao longo dos anos, muitos bons combates e sempre conservei a minha fé. Aquela tão bem delineada por São Thiago em sua única carta, quando escreveu: “a fé sem obras é morta”. E disse mais: “Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me a tua fé sem obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras”. É nesta fé que eu acredito.
Não posso, porém, antes de concluir, deixar de referir aqui, uma vez mais, à minha família, a base de tudo. Meu pai Waldomiro, tantas vezes lembrado hoje e sempre, minha mãe Fortunata, cuja presença me enche de alegria, assim como a de meus três irmãos, Marina, Luiz Fernando e Esther, meus dois cunhados, Ylmar e Karina, meus cinco sobrinhos, Lucas, Marcela, Catarina, Luna e Mateus, três dos quais trabalham comigo, quase todos aqui presentes.
Por fim, o mais importante. Minhas duas filhas, Isabela e Luísa. A maior graça que recebi de Deus. Duas preciosidades, cada qual, com as suas características, mas ambas capazes, como os mais próximos sabem, de me fazer mover montanhas.
Amigas fiéis, companheiras de todas as horas. Ambas, cada qual de sua maneira, completam-me de um modo que eu jamais imaginei fosse possível. Ser pai foi e continua a ser a minha maior experiência da vida.
Sr. Presidente, Srs. Confrades, que Deus me ilumine para que eu seja sempre digno de ocupar esta cadeira n. 33, da Academia Catarinense de Letras Jurídicas. Contem comigo para auxiliar a levar a entidade ao lugar de destaque que ela merece ocupar no cenário jurídico de Santa Catarina.
Muito obrigado!