29/05/2014
Exmo. Sr. Presidente, Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold, em cujo nome cumprimento a Diretoria da Academia e os ilustres membros do Colégio Acadêmico.
Exmo. Sr. Dr Nelson Antônio Serpa, Secretário de Estado da Casa Civil, neste ato representando Sua Excelência o Governador do Estado.
Exmo. Sr. Desembargador João Henrique Blasi, neste ato representando Sua Excelência o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado.
Senhoras e senhores.
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EMERSON escreveu que: “Na vida, temos necessidade de alguém que nos obrigue a realizar aquilo de que somos capazes. É este o papel da amizade”. Disse mais o filósofo: “A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você”. Pois eu tomo assento hoje, neste sodalício, comovido e estimulado pelo gesto amigo de Vossas Excelências, ilustres integrantes do Colégio Acadêmico, que viram em mim, malgrado tantas limitações, alguém capaz de servir ao seu lado como um dos guardiões da cultura jurídica catarinense. Recebam o meu afeto e a minha gratidão. Tenham a certeza de que procurarei estar à altura de vossa distinção e confiança. Saibam, sobretudo, que é profundo, extraordinário, o orgulho que experimento por passar a integrar a nossa Academia Catarinense de Letras Jurídicas.
Eu sei, naturalmente, que a indicação de meu nome partiu de nosso Presidente, Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold, que é, portanto, o meu padrinho. Erraria, contudo, quem pensasse que a isto se resume a importância que a ele atribuo. Esta é apenas a última, a mais recente, das inúmeras e benignas intervenções que fez em meu favor ao longo de duas décadas de convívio acadêmico, desde quando em 1993 ingressei no curso de mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina. Bastaria talvez mencionar que o Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold veio a ser o orientador da minha dissertação de mestrado, bem como da minha Tese de Doutorado, produtos acadêmicos dos quais derivaram meus dois primeiros livros. Mas não, não basta esta menção para dar a ideia exata do quanto devo ao meu grande mestre. EINSTEIN disse que “a educação é aquilo que fica depois que você esquece o que a escola ensinou”. É o que eu quero dizer: o que conta são os ensinamentos que ficaram depois que as palestras silenciaram, depois que as notas foram atribuídas e os diplomas expedidos.
Como aluno do Prof. Cesar, aprendi duas lições fundamentais, indeléveis em meu espírito. A primeira: os clássicos são os clássicos, a suprema literatura. Lembro-me, a propósito, que na disciplina de Teoria Política, a primeira que cursei no mestrado, fomos direcionados à leitura de oito autores clássicos, Platão (A República), Aristóteles (A Política), Cícero (Da República), Rousseau (O Contrato Social), Hobbes (Leviatã), Locke (Segundo Tratado Sobre o Governo), Montesquieu (O Espírito das Leis) e Russel (O Poder). Foi um tempo magnífico, de grandes descobertas ecrescimento. Desde então, eu procurei nunca desviar-se deste magistério, tendo publicado, inclusive, um livro sobre a filosofia política de Thomas Hobbes. A segunda lição: a virtude essencial do pesquisador é a humildade científica, ainda que sem prejuízo de alguma dose de atrevimento intelectual. Em minha vida acadêmica, procurei difundir este ensinamento aos meus próprios alunos, dizendo a eles, com apoio também em H.G.WELLS, que “a ignorância é o primeiro castigo da soberba”. Eu hoje acredito que, se algum pequeno mérito tenho para estar entre professores tão admiráveis, eu os devo aos bons conselhos que recebi e cultuei.
O direito é o meu mundo; eu sou nele militante e diletante, praticante e viajante. Eu postulo, eu leciono, eu pesquiso, eu escrevo. Eu amo o que faço, mas houve um dia – e poucos talvez saibam – em que eu corri o risco de viver uma vida diferente, distante do direito.
Desde moço, por influência de minha mãe, professora de Língua Portuguesa, tive acesso a um manancial de literatura da maior qualidade, especialmente de ficção, cuja leitura era estimulada e mesmo exigida em minha casa. Recordo, ainda agora, o quanto eu fiquei maravilhado com a escrita de Machado de Assis e de José de Alencar, com a riqueza do vocabulário, a exatidão das palavras, a figuração da linguagem. Eu era péssimo em matemática – ainda sou -, e acredito que minha mãe acendeu em mim a chama do escritor e indicou os caminhos de meu aprimoramento. Para mim, passar a vida em frente a uma máquina de escrever parecia ser a mais natural das vocações. Então, em 1982, eu ingressei no curso de jornalismo, primeira opção da inscrição ao vestibular da Universidade Federal, o que era normalmente esperado em razão das minhas inclinações.
Ocorre que eu fora aprovado também para o curso de direito, na Faculdade de Ciências Jurídicas de Itajaí, cujo seleção eu prestara, apenas, como alternativa. Admitido em ambos, a opção a fazer era nítida: o jornalismo. Foi meu pai, com o senso prático que sempre guiou a sua exemplar magistratura, quem aconselhou-me a não descartar o direito, a cursar as duas faculdades. Disse ele: olha João Neto, não custa nada, passa rápido, e eu pago. Durante cinco anos, fiz de ônibus o percurso Florianópolis-Itajaí, ida e volta, todas as noites, de segunda a sexta; as manhãs eram reservadas ao jornalismo. Depois de formado, fui repórter e editor de jornal por seis anos, e pude exercitar, intensamente, a atividade de redação, com estilo livre, simples, direto e objetivo. Em 1992, todavia, acabei me convertendo ao direito, definitivamente, e somente pude fazê-lo, com facilidade e sem maior embaraço, porque eu já era advogado inscrito desde 1987.
Por isso, e por tantos outros sinais de proteção, eu hoje divido esta homenagem com o meu pai, Desembargador João Martins, e com minha mãe, Professora Mercedes Bértoli Martins. Meu pai me deu a ciência do direito; minha mãe, a arte da redação; juntos, deram-me as letras jurídicas.
Eu ocupo a partir de hoje a cadeira nº 16, cujo patrono é Edmundo Acácio Soares Moreira. Torno-me, desse modo, na Academia, o protetor de sua memória, de sua ciência, de sua filosofia, de sua arte. É um desafio estupendo, inspirador, porque falo de um vulto de poucos paralelos na história do pensamento e das instituições jurídicas de Santa Catarina, uma figura humana singular, de múltiplos talentos, títulos e realizações. Edmundo A. S. Moreira nasceu em 1899, vindo a falecer em 1986. Foi, portanto, um homem do Século XX, ou da “Era dos Extremos”, como HOBSBAWN definiu. O mundo que viveu atravessou duas guerras mundiais, o período mais sangrento da história da humanidade, que termina, simbolicamente, com o colapso da União Soviética em 1991. No Brasil, seu país, foi uma testemunha qualificada de eventos emblemáticos, desde o Estado Novo ao Golpe de 1964. Deixou-nos dois anos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Nos anais da nossa Academia, consta que o Patrono da Cadeira nº 16 formou-se em Direito no Rio da Janeiro em 1924. Em Florianópolis, foi um dos fundadores da Faculdade de Direito de Santa Catarina em 1932, tornando-se um dos seus professores. Liderou a fundação do Instituto dos Advogados de Santa Catarina, presidindo-o em dois períodos: 1931-1932 e 1954-1955. Advogado militante, titular da inscrição estadual nº 3, presidiu também a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina, entre abril de 1954 e abril de 1957. Foi um dos instituidores da Fundação Boiteux e, ainda, membro da Academia Catarinense de Letras, onde ocupou a Cadeira nº. 29, cujo patrono era Liberato Bittencourt. Na Faculdade de Direito, lecionou predominantemente Direito Civil, à época, antes da ascensão e difusão do constitucionalismo contemporâneo, a disciplina mais nobre das grades curriculares, a herança maior do magnífico monumento do Direito Romano, o lugar dos conceitos jurídicos fundamentais, infelizmente agora tão negligenciados.
Eu tive, há dois dias, a grata satisfação de conversar, ao telefone, com Edmundo Acácio Soares Moreira Neto. Impressionou-se a vívida emoção, o respeito e a admiração com que o meu interlocutor falava de seu avô. Comecei a escrever talvez ali, mentalmente, um texto biográfico. Nele, espero poder contar um dia, entre outras histórias, que o professor Edmundo tinha, nos escritórios de sua residência na Rua Ferreira Lima, algo em torno de 14 mil obras literárias. Sua biblioteca era mais vasta e completa do que as bibliotecas públicas disponíveis na capital do Estado em matéria de direito, razão pela qual era comum que os militantes da profissão jurídica, inclusive desembargadores do Tribunal de Justiça, ali fossem buscar e encontrar as fontes doutrinárias indispensáveis à reflexão em torno das controvérsias que deparavam na vida forense. Espero podercontar também que o professor Edmundo, no último ano do curso de direito, no Rio de Janeiro, foi requisitado – tão forte a impressão que sua precoce competência causara – para atuar no setor de redação dos documentos oficiais da Presidência da República, ocupada por Epitácio Pessoa.
O professor Edmundo – me permitam ainda destacar – faleceu no ano em que eu me formei em direito (1986); de certo modo, ainda que decorrido importante intervalo de tempo, eu o sucedi na faculdade de direito, na qual tornei-me professor em 1995, passando a lecionar, precisamente, direito civil, o que fiz por uma década, até migrar para o direito constitucional; meu pai, João Martins – não posso deixar de mencionar este detalhe -, dele foi aluno na faculdade de direito, assim como tantos outros ilustres juristas das gerações de estudantes dos anos 50, 60 e 70. São meras coincidências, talvez;mas talvez não; talvez seja o destino do meu encontro com uma mente brilhante, a oportunidade nova de, humildemente, descobrir mais um clássico, um clássico da nossa terra.
Eu quero então concluir – que o tempo já vai longe – dizendo que espero, sobretudo, poder escrever sobre as ideias, os valores, as obras e os exemplos que compõem o grande legado de meu eminente Patrono. Porque eu acredito, citando BURKE, que “as pessoas não serão capazes de olhar para a posteridade se não tiverem em consideração a experiência dos seus antepassados”.
Muito obrigado a todos pela presença e pelo carinho.
PLENÁRIO DA OAB/SC, EM FLORIANÓPOLIS.