- INTRODUÇÃO E SAUDAÇÕES
Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, Prof. Dr. José Isaac Pilati, ocupante da cadeira nº 02 – patrono José Luiz Boiteux, em cuja pessoa saúdo as autoridades aqui presentes já nominadas pelo cerimonial;
Excelentíssima Senhora Vice-Presidente, Elizete Lanzoni Alves, minha querida madrinha, em nome de quem saúdo os demais Confrades e Confreiras desta honrosa Academia;
Excelentíssimo Senhor Procurador Doutor Paulo de Tarso Brandão, neste ato representando o Procurador-Geral de Justiça, em seu nome estendo os cumprimentos a todos as Promotoras, Promotores, Procuradoras e Procuradores de Justiça;
Minha família, amigas e amigos queridos,
Senhoras e senhores, boa noite!
- AGRADECIMENTOS
Desde 2020, enquanto a pandemia, como o mais recente ‘cisne negro’ da humanidade, mudou os rumos da história mundial, em meio ao medo e sem que se pudesse predizer nem mesmo como seria o dia seguinte, confesso que foi com grande surpresa e alegria que recebi da ilustre Acadêmica e madrinha, Elizete Lanzoni Alves, a notícia da minha eleição para ocupar a Cadeira nº 25 dessa prestigiada Academia Catarinense de Letras Jurídicas.
Naquela ocasião, sequer imaginava o quanto esse momento poderia mudar o meu destino pois pouco conhecia sobre o patrono, o iminente Ministro Luiz Assunção Gallotti, e da importância do seu legado para Santa Catarina.
Superado o susto, a emoção tomou lugar e não pude deixar de olhar para trás e lembrar o caminho que me trouxe até aqui, e, por isso, antes de cumprir a honrosa missão que o Regimento da Academia Catarinense de Letras Jurídicas impõe aos novos Acadêmicos no dia de sua posse, para honrar e perpetuar a sua memória do homenageado, gostaria de brevemente voltar a essa estrada que me conduziu até esse dia, pois esse é, sem dúvida, um dos momentos mais importantes de minha vida, momento de chegada, mas também de partida.
Há 24 anos atrás, quando ingressei anos no Ministério Público Catarinense, inflada pelo idealismo dos auspícios da Constituição Federal de 1988, antevia minha vida profissional devotada à atuação na instituição, pela nobre missão que lhe foi outorgada pelo povo brasileiro e que prometi, em meu juramento, proteger e honrar.
Falo do momento de chegada porque, desde 1991, quando ingressei no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, passei a escrever um novo capítulo na minha biografia, onde tive o privilégio de ser aluna de diversos mestres, que foram luzes nessa caminhada, alguns deles, a que tenho a honra de a partir de hoje, ter ao lado como confrades, nosso Presidente Doutor José Pilati, Doutor Antonio Carlos Wolkmer, Doutor Ubaldo César Aguiar e Doutor José Rubens Morato Leite.
O anseio pelo ideal transformador do Direito, conduziu-me ao Ministério Público, de onde parti, nas estradas que me levaram ao oeste catarinense, onde tive o privilégio de vivenciar a ciência jurídica no cotidiano das pessoas, na esperança e no desassossego da atuação da Justiça, e das suas iniquidades.
O aprendizado e o crescimento, que resultou da satisfação pelo exercício das funções, mas também das frustrações, tão necessárias para o meu aperfeiçoamento, uma década após, me levou de volta aos bancos da Universidade Federal de Santa Catarina, para onde regressei com a bagagem da prática jurídica, mas também de uma realidade triste, de violência, violações e omissão, distante da norma fundamental e dos propósitos do constituinte originário.
Assumindo o cuidado como dimensão ontológica e antropológica da da ética da Justiça, na qual o feminino tem espaço privilegiado, as escolhas pouco tempo após se dirigiram à área dos direitos humanos, especialmente de crianças e adolescentes, envolvendo responsabilidades pessoais e institucionais para a garantia dos seus direitos, com respeito e efetivo conhecimento das dificuldades próprias dessa etapa da vida.
E, se o acaso ou destino, por vezes, nos prega peças, também promove os encontros que necessitamos para o nosso crescimento, tendo me proporcionado ingressar no programa de mestrado e, posteriormente no doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação da Professora Doutora Josiane Rose Petry Veronese, a qual, tendo inaugurado a primeira cadeira de Direito da Criança e do Adolescente no país, assumiu o compromisso ético e a missão com a mudança, sem precedentes no país, do paradigma jurídico de atenção à população infanto-juvenil, após uma triste história de exclusão e marginalização.
Sempre atenta à responsabilidade da Academia com o compromisso social para a transformação da vida real, já que o tempo das crianças não nos permite esperar, na verdadeira acepção de política jurídica, como nos ensina Osvaldo Ferreira de Melo, esse encontro com a Professora Josiane frutificou e ampliou os seus horizontes, com a fundação, na Itália, da cátedra de Direito e Fraternidade, da qual tive a honra de participar, e, posteriormente, com o aperfeiçoamento na Faculdade de Direito de Lisboa, viabilizado por meio de convênio com o Ministério Público, onde, já atuando na área do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, pude aprofundar os estudos em Ciências Criminais, sob a orientação do Professor Doutor Augusto Silva Dias.
Por isso, não posso seguir sem registrar que, comigo hoje, chegam aqui todas as pessoas que fizeram parte dessa jornada, a quem, muito mais do que agradecer, já que as palavras nunca serão suficientes para expressar todo o sentimento que hoje vivencio, faço questão de prestar homenagem, em sinal de humildade e reverência.
A Deus, criador e fonte de tudo, por tantas graças e dádivas recebidas por sua imensa bondade.
Aos meus pais, Kátia e João Elias, exemplos de valores e virtudes, agradeço por todo amor, apoio e dedicação incondicional. Neles, honro e reverencio toda a minha família de origem, pela vida que recebi, com tantos sacrifícios e esforços.
Aos meus irmãos, Rodrigo e Andressa, à amada sobrinha Laura, e aos meus cunhados, Lediane e Patrick, agradeço por todo carinho e suporte para que, em todos os momentos, eu me sentisse amparada.
Honro a força das mulheres que me antecederam e lutaram por seus ideais e nelas sempre reforço meu compromisso com a Justiça e o Direito.
Como a primeira neta de uma família numerosa de mulheres, tive o privilégio de ter nelas, o exemplo de coragem e do cuidar. Minhas avós Inês Zita e Ruth, minha mãe e tias, todas à frente do seu tempo, enfrentaram o preconceito e as dificuldades de conciliar a maternidade com a carreira e, de cada uma delas, sou um pouco hoje.
Sinto orgulho de chegar aqui e poder agradecer a todas vocês, que, cada qual a seu modo, foram mais que tias, mas também amigas, irmãs e, até hoje, continuam a me inspirar.
A elas se somam todos os familiares com quem tive o privilégio de conviver e aprender e partilhar e que, embora não me seja possível agradecer nominalmente agora, o faço nas pessoas que hoje participam desse momento tão importante de minha vida.
Às queridas amigas e amigos, próximos ou distantes, quero abraçá-los na pessoa de meus irmãos de vida, Maria Amélia e Josias. Somos juntos, nos construímos no convívio e trago, em mim, um pouco de cada um de vocês. Sou muito grata pelo privilégio de tê-los comigo e podermos aprender juntos, pela partilha e por todo apoio em cada conquista.
À Professora e amiga, Doutora Josiane Rose Petry Veronese, sou grata pelas lições aprendidas, mas, sobretudo, por ser a luz a me guiar na pesquisa acadêmica e no ideal de fraternidade que nos une. Sua dedicação à criação do Núcleo de Estudos Jurídicos da Criança e do Adolescente, que nesse ano completa 25 anos, nos mostra que o caminho é árduo e longo, mas que, quando seguimos juntos, sempre avançamos. Em seu nome, agradeço a todas os professores da UFSC e aos integrantes do NEJUSCA e do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade.
À Professora Doutora Elizete Lanzoni Alves, minha querida madrinha, a quem agradeço por me recepcionar neste importante momento, emocionada pelas suas palavras, e, em seu nome, estendo os sentimentos aos Acadêmicas e Acadêmicos que integram este ilustre Colégio, pelo sufrágio à minha indicação.
Registro, nesse momento, meu especial agradecimento ao Professor Doutor Cézar Luiz Pasold, na pessoa de seu filho aqui presente, a quem nutro grande admiração e tive o privilégio de conviver durante a elaboração da obra em homenagem à Osni de Medeiros Régis, na parceria do Memorial do Ministério Público com esta nobre Academia.
O fruto dessa cooperação só foi possível pelas mãos do brilhante historiador e amigo, Gunter Axt, que, pelo grande trabalho desenvolvido no Memorial do Ministério Público nos anos de 2010 a 2016, promoveu à Instituição como guardiã e promotora da Memória Viva de Santa Catarina, desenvolvendo pesquisas que remontam desde a Guerra do Contestado até a mais recente publicação inédita sobre a história das mulheres no Ministério Público, e a quem agradeço pelas valiosas lições sobre a importância da história como “mestra da vida”, nas palavras de Cícero.
À todas as colegas Promotoras e Procuradoras de Justiça que me antecederam e que hoje comigo partilham esse caminho institucional, faço na pessoa de nossa querida homenageada, Dra. Leda Maria Hermann.
Sei que estarmos aqui juntas nesse momento tão especial não foi uma mera causalidade. Mesmo antes da Lei Maria da Penha, sua sensibilidade e sua pesquisa acadêmica nos mostrou o quanto o Direito havia esquecido da dor das mulheres que sofriam violência. Se avançamos, foi porque Vossa Excelência, assim como todas as mulheres do Ministério Público Catarinense, ousaram ter a coragem de ocupar esse espaço e lutar por condições de igualdade para o aperfeiçoamento da instituição e de diversos instrumentos legais para garantia do efetivo respeito aos direitos humanos.
Agradeço ainda ao Ministério Público Catarinense, que sempre incentivou e viabilizou as condições para o meu aperfeiçoamento acadêmico, e, especialmente, ao amigo Doutor Lio Marcos Marin, que me deu a grande missão de exercer as funções de Diretora do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional e do Memorial do Ministério Público durante a sua gestão, pelas experiências e vivências oportunizadas.
A todos os colegas de Ministério Público, aqui representados pelos confrades Paulo de Tarso Brandão e Davi do Espírito Santo, às servidoras e servidores da instituição, e, em especial, à equipe da 34ª Promotoria de Justiça da Capital, por dividirem comigo o peso das dores de tantas mulheres que sofrem violência e que lá podem encontrar a força e a competência de cada um de vocês, mas também o sorriso que acolhe e reacende o brilho da esperança.
- HOMENAGEM AO PATRONO
Chego a esse importante momento que vivo hoje, sem dúvida, um dos mais felizes da minha vida, sentindo-me duplamente agraciada, com a indicação para inaugurar a cadeira n. 25 em homenagem ao Ministro Luiz Assunção Gallotti.
Embora catarinense, não conhecia sua inestimável contribuição e legado à ciência do Direito e às instituições jurídicas, especialmente no Ministério Público Federal e no Supremo Tribunal Federal, onde permaneceu durante 25 anos, dignificando e honrando Santa Catarina perante a Justiça brasileira.
Por isso, a dizer da honrosa missão de realçar-lhe a personalidade, nesta hora de tanto apreço a seus merecimentos, confesso-me temerosa de mal cumpri-la, pois, na escassez do tempo, cinjo-me à busca de informações mais apressadas do que as exigidas pelo dever da palavra, a cumprir-se nessa solenidade, em que passo a tentar honrar a figura marcante que personifica não apenas o grande juiz que tanto engrandeceu seu Estado, mas a de um homem simples, cordial, e, sobretudo, dotado de grande espírito de humanidade.
A grandeza do seu legado, seria impossível, nesta manifestação, resumir, pois, certamente pecaria por incompleta, já tendo ele sido exaltadas em tantos outros momentos da história do país e em Santa Catarina, especialmente na Academia Catarinense de Letras, onde foi titular da cadeira n. 22, empossado em 14 de dezembro de 1971, e que atualmente é ocupada pelo Confrade Doutor Umberto Grillo.
À Vossa Excelência, Confrade Umberto Grillo, que também há mais de 30 anos é titular da cadeira de que Luiz Gallotti é patrono junto à Academia Brasileira de Direito de Trabalho, e que, em brilhantes discursos, exaltou e honrou a sua trajetória, quero, desde logo, agradecer por propiciar que, por seu intermédio, pudesse me aproximar ainda mais do nosso homenageado, assumindo, com Vossa Excelência, o compromisso e a grande responsabilidade de honrar e perpetuar a sua memória.
De alguns traços do grande homem e jurista que foi Luiz Gallotti, contudo, não me permito esquivar, pois eles revelam, como destacou o Ministro Xavier de Albuquerque, “o intelectual consumado, de inteligência viva, rara lucidez e curiosidade insaciável”.
Nascido em Tijucas, neste Estado, em 1904, filho do comerciante e político Beniamino Gallotti, nascido na Itália, e Francisca Angeli, Luiz Assunção Gallotti realizou os estudos primários na sua cidade natal, passando, do menino rebelde à aplicação e à disciplina, ao estudante distinto e destacado durante o ensino secundário, no Colégio Catarinense, em Florianópolis, e na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro.
Em relação às características pessoais como estudante, chamava a atenção sua grande capacidade como orador, sendo o responsável de sua turma de formandos, considerado como um dos principais membros de uma “tradição refulgente na vida acadêmica”, vendo seu esforço premiado com notas de distinção em todos os anos do curso, onde bacharelou-se em1926, aos 22 anos.
Daí por diante, não conheceu senão o êxito precoce para o qual o titulavam seus atributos e sua vocação de jurista, que o conduziram à mais alta Corte do país.
Ainda em sua trajetória como estudante de Direito, Luiz Gallotti se tornou conhecido em seus aspectos relacionados às características pessoais e posturas profissionais muito contundentes.
Em 1927, foi nomeado Inspetor de Bancos no antigo Distrito Federal, e, em 1928 elegeu-se Deputado Estadual ao Congresso Representativo de Santa Catarina, pelo Partido Republicano Catarinense.
Dotado de uma profunda eloquência e grande erudição, como Deputado Constituinte apresentou indicações no projeto de revisão constitucional, demonstrando, desde cedo, uma disposição à proposições em relação às discussões legislativas, assim como inserção nos debates públicos, como um estudioso cultor do Direito.
Já considerado pela imprensa à época como um dos principais expoentes da “nova mentalidade catarinense”, como parlamentar, Luiz Gallotti reforçava a necessidade prática que envolve a elaboração legislativa, prezando pelo devido processo legal que abrangesse todos os cidadãos, inclusive a classe política.
Por suas qualidades e virtudes, especialmente a proficiência acadêmica e a cordialidade que o distinguiam, além da grande capacidade de mediador, o levaram a exercer um importante papel na vida político-social brasileira.
Ainda jovem, em 1929 e, já em um cargo representativo como Segundo Procurador Geral da República, teve participação fundamental no complexo caso envolvendo o atentado ao Vice-Presidente da República, Fernando de Mello Viana, no episódio de Montes Claros/MG.
Por sua respeitabilidade profissional e jurídica acima de divergências políticas, apesar de suas relações com o Governo deposto, foi mantido como Procurador da República, tendo papel essencial na reconstitucionalização do país em 1934, inclusive sendo membro da Comissão revisora dos Atos do Governo Provisório de Getúlio Vargas, demonstrando preocupação com a fiscalização, pelo Poder Judiciário, das condutas exercidas pelo Poder Executivo.
No Ministério Público, teve atuação firme e destacada em diversos episódios da história política do país.
Nas funções de 1° e 2° Procurador da República, Luiz Gallotti participou de outros casos relevantes que evidenciaram a sua manifesta preocupação com o interesse nacional, como o caso da intervenção do Pará, em 1936, e do Deutsch Bank (1937).
Foi interventor do Estado de Santa Catarina pelo Partido Social Democrático (1945-1946), sendo nomeado pelo Presidente da República, José Linhares, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, para conduzir as eleições de outubro de 1945. Inabalável em suas ideias democráticas, sem ressentimentos nem paixões, livre de quaisquer ambições políticas, presidiu o pleito com a mais rigorosa isenção e irrestrita imparcialidade.
Em 1947, com a criação do Tribunal Federal de Recursos, nomeado Procurador-Geral da República, sua primeira missão no cargo foi solucionar o conflito entre os Poderes Executivo e Judiciário de Alagoas. Com destacado espírito mediador e diplomático, conseguiu solucionar a crise, convencendo os desembargadores a aceitar uma retratação do governador.
Honrou o Ministério Público por tê-lo tido entre seus membros por mais de 20 anos. De sua passagem pela Procuradoria-Geral da República, deixou compendiada sua atividade, em dois volumes, abordando os mais variados temas jurídicos.
Em todas as funções que exerceu, Luiz Gallotti sempre deixou inscrita sua vocação ao Direito e à Justiça, com qualidades ímpares, mas, foi no Supremo Tribunal Federal, nomeado como Ministro em 12 de setembro de 1949, após aprovação unânime do Senado Federal, que nosso homenageado deixou seu principal legado às letras jurídicas.
Integrou a Suprema Corte por 25 anos, onde alçou a Presidência, agindo com espírito democrático e republicano, inclusive nos momentos mais turbulentos da história do país.
Após a implantação do novo regime político em abril de 1964, com o agravamento das crises na relação entre o Supremo Tribunal Federal e o Poder Executivo, Luiz Gallotti, nos momentos de maior tensão, atuou com grande espírito público, buscando evitar o confronto direto entre a Corte e os governos militares.
Foi Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, tendo a seu encargo a supervisão das eleições presidenciais de outubro de 1955, com fundamental participação na definição dos destinos da nação e a proclamação como eleitos de Juscelino Kubitschek e João Goulart.
O prestígio de suas mãos hábeis e firmes souberam manter, sem hiatos nem declínios, as tradições institucionais o Poder Judiciário brasileiro, exercendo a judicatura com a exata percepção do papel que o Supremo Tribunal Federal deve desempenhar, serena e firmemente, na arbitragem dos conflitos legais que tumultuam a vida do país, colimando ao ideal da “boa justiça, apanágio das nações civilizadas, a cujo elenco queremos pertencer”, nas palavras do Ministro Osvaldo Trigueiro.
O sentido de dever nunca se afastou da sua consciência como magistrado. Seria incidir na sentença de Rui Barbosa, por ele reproduzida de que “não há tribunais que bastem para abrigar o Direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”.
Por isso, sua preocupação, pode-se dizer, era obsessiva no sentido de que, em nosso regime, não devem existir autoridades irresponsáveis. Não admitia que, por sua conduta, pudesse gerar na coletividade a crença de que a Justiça existia apenas para os humildes.
Em agosto de 1974, Luís Gallotti aposentou-se compulsoriamente do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal ao completar 70 anos de idade.
Todavia, sua paixão pelo Direito não o permitiram usufruir da inatividade, passando a integrar o Instituto dos Advogados do Brasil, onde, sem as exigências que a judicatura impunha, pode aproximar-se dos advogados e das entidades representativas. E constituía motivo de alegria para todos sua presença alegre e amiga e acolhedora, a cada um podendo dizer uma palavra de expressão pessoal e carinhosa.
E foi na tribuna do Instituto dos Advogados do Brasil, onde atuou até o dia de sua partida de sua existência física, quando sofreu um infarto após discursar sobre os critérios de interpretação da lei, em 24 de outubro de 1978.
Sobre esse momento, Caio Mário da Silva Pereira registrou que sua partida desse plano foi a representação de sua vida. “Morreu como sempre vivera, no meio de juristas, dissertando e opinando. Juiz, e juiz culto, não faltava o seu juízo nas questões que as contingências existenciais traziam a seu espírito. Jurista, e jurista esclarecido, não negava o seu pronunciamento em face dos problemas propostos. Respeitado e acatado, suas opiniões eram recebidas com atenção e simpatia, mesmo por aqueles que deles divergiam”.
À ciência do Direito, no seu estudo e serviço, desde os bancos universitários até seu último suspiro, dedicou nada menos que 57 anos de sua vida exemplar. E sempre o fez com alta proficiência, sólida cultura e valoroso espírito humanista.
Por isso, gostaria de realçar, dentre as muitas facetas de que se enriquecia a personalidade do homenageado, aquela que o projetava como ser humano precioso e incomparável.
Na definição de seu amigo Edmundo da Luz Pinto, quando o saudou na cerimônia de sua posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Gallotti era o “diamante azul da humanidade”, ou, como Alcino Salazar o chamou, o “construtor de amizades”.
Em todos os momentos em que foi exaltado, em vida ou após a sua despedida, foram uníssonas as vozes que corroboraram a asserção afetuosa, pois ele representava a bondade, a prestimosidade, o amor ao próximo, a caridade com que encarava as faltas alheias e a humildade com que marcava as próprias virtudes, enfim, nos mais ternos sentimentos de que pode ornar a alma humana.
À cordialidade extrema do seu trato amável, Luiz Gallotti aliou os traços fundamentais da sua pessoa com os lineamentos exemplares de um bom juiz, nele enxergando-se um padrão de elevado valor moral, espiritual e intelectual.
Mesmo tendo ocupado com brilho inexcedível altos cargos país e recebidos inúmeras condecorações e distinções, dos quais destaco Medalha Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (1971) e o título de professor Honoris Causa, da Universidade Federal de Santa Catarina, nunca se distanciou de suas origens, da família e das virtudes que o forjaram.
Foi casado por 49 ano com Antonieta Pires de Carvalho e Albuquerque. Moravam no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, por mais de 50 anos, na rua Visconde de Cabo Frio, onde nasceram seus dois filhos, o também Ministro Luiz Octavio Pires e Albuquerque Gallotti, e sua irmã, Maria Lúcia Gallotti Póvoa.
Ademais de sua tradição como jurista, foi um espírito altamente humano e com muita sensibilidade, especialmente às artes e aos esportes.
Recordar o Rio antigo onde já nasceram seus netos, uma delas, a iminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues, era a conversa que mais lhe agradava, saudoso, das temporadas culturais de opera do Teatro Municipal, das grandes casas de chá, do Rio dos esportes e do seu clube, o fluminense, das elegantes reuniões e grandes prêmios no Jóquei Clube brasileiro, dos carnavais que não voltam mais, enfim, do Rio que ele tanto amou.
Era, acima de tudo, um homem popular, amigos dos magistrados, atletas, artistas, jornalistas, intelectuais, mas com as prerrogativas de um homem de alta expressão humana.
Esse extraordinário magistrado, legou-nos um imperecível tesouro, que foi a sua vida exemplar e, por isso, hoje novamente estou a partir, com ele em minha companhia, para um novo caminho.
Guimarães Rosa registrou com sabedoria que “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.”
Ter o grande privilégio de inaugurar, nesta Academia de Letras Jurídicas, a cadeira que tem como patrono o Ministro Luiz Assunção Gallotti, pela grandiosidade de sua vida e de sua obra, tenho certeza que já me modificou, pois reavivou em mim os sentimentos de esperança e fé na humanidade e no ideal de Justiça que sempre sonhei.
Por isso, reafirmo aqui, perante este ilustre Colégio Acadêmico, o meu compromisso com o cumprimento do juramento que presto hoje, para honrar a nobre missão desta honrosa Academia Catarinense de Letras Jurídicas, e não deixar morrer os valores por ele defendidos.
Muito obrigada!