Alguém que quisesse iniciar uma pesquisa sobre o Patrono da Cadeira de n. 27 da Academia Catarinense de Letras Jurídicas e começasse a sua pesquisa do modo usual dos nossos tempos, através de uma ferramenta de busca avançada na Internet, encontraria muitas referências a uma importante via urbana, próxima ao campus da Universidade Federal de Santa Catarina, que parte da Praça Santos Dumont, na Trindade, até o trevo existente na rua Capitão Romualdo de Barros, na localidade de Carvoeira, em Florianópolis, além de um mapa roteável e da lei municipal, de 11 outubro de 1984 que a batizou de “Avenida Desembargador Vítor Lima”.
Se esse mesmo pesquisador, interessado em descobrir mais sobre o jurista Vítor Lima, buscasse dados históricos junto ao Poder Judiciário Catarinense, no qual este, por quase 10 anos, de 22 de março de 1957 a 12 de julho de 1967, atuou proficuamente como magistrado de segundo grau, obteria a informação de que em 11 de dezembro de 1984, no ano posterior ao seu falecimento, foi inaugurado o prédio do “Fórum Desembargador Vítor Lima”, na Comarca de Palmitos, no Oeste do Estado.
E se, ainda, movido pela curiosidade, decidisse indagar sobre as atividades do Magistrado, no período imediatamente anterior à sua aposentadoria, em 12 de julho de 1967, aos 55 anos, chegaria, por meio de elementos fornecidos pelo Museu da Justiça Eleitoral Catarinense, designado de “Centro de Memória Desembargador Adão Bernardes”, à informação de que Vítor Lima presidiu o Tribunal Regional Eleitoral, de 26 de abril de 1966 a 17 de abril de 1967 e que, durante a sua gestão, foram realizadas as Eleições de 1966 para escolha dos membros do Congresso Nacional, na qual estavam em disputa todas as vagas da Câmara dos Deputados e um terço das vagas para o Senado.
Encontraria, também, nos registros do Museu do Judiciário Catarinense, a informação de que Vítor Lima exerceu o cargo de Corregedor-Geral da Justiça de 02 de janeiro de 1964 a 1o de março de 1966.
Todavia, se quisesse, se aprofundar no conhecimento sobre o Jurisprudente, atravessaria o Hall Térreo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, andaria até a Biblioteca Desembargador Marcílio Medeiros, e contando com a prestimosa colaboração das servidoras bibliotecárias, obteria acesso ao Setor de Obras Raras. Superaria o frio da sala, necessário à conservação das inestimáveis obras ali guardadas e selecionaria alguns compêndios da Jurisprudência Catarinense, dos anos finais da década de 1950 até o início dos anos 1960.
Abriria as folhas frágeis e amarelecidas, testemunhas do pensamento jurídico de uma geração de juristas que influenciou profundamente a produção do direito das gerações subsequentes e começaria a ler.
Leria, nos acórdãos relatados por Vítor Lima, sobre questões patrimoniais, desquites, crimes contra a vida e contra o patrimônio.
Os julgados atestam a versatilidade do Desembargador, que discorria sobre múltiplos temas de sua época, com objetividade e sem perder a profundidade, traço marcante dos grandes juristas.
Decidia fundamentando com estilo elegante, em linguagem direta e escorreita, com aprumo metodológico. Esta probidade científica inflexível e denso conjunto de conhecimentos jurídicos, constituiu o seu Capital Cultural, e lhe deu proeminência no Campo Jurídico, isto é, no Espaço Social de Produção do Direito de seu tempo, outorgando-lhe o potencial de conhecer e de ser reconhecido neste mundo social através de seus próprios códigos. Ele teve, por isso, a possibilidade de Produzir do Direito, as aplicações das leis, de maneira a provocar alterações no Campo Jurídico capazes de, a seu modo, segundo o direito vigente, assegurar as garantias mínimas ao jurisdicionado.
Evidentemente, a proeminência como Desembargador, dimanou de Capital Simbólico – Cultural e Social – acumulado quando integrou o Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
Vitor Lima trabalhara por aproximadamente 15 anos como membro do parquet, antes de ingressar no Tribunal de Justiça pelo quinto constitucional.
Ele graduara-se em Direto na Faculdade de Direito de Santa Catarina em 1940.
“Como os cursos jurídicos em Santa Catarina iniciaram em 1934, pode-se concluir que pouquíssimos catarinenses eram formados em Direito” (Brüning, 2001, p. 144).
O curso de Direito era de apenas quatro anos não era raro que recém formados fossem nomeados para o Cargo de Promotor Público.
Tinha 28 anos de idade quando se formou e 29 quando foi nomeado por Decreto do Governador do Estado para exercer o cargo de Promotor Público da Comarca de São José em 23 de dezembro de 1941 e assumiu as suas funções em 19 de janeiro de 1942. No mesmo ano, em 1o de agosto, foi removido para a 3a Promotoria de Justiça da Comarca da Capital e, posteriormente, em 7 de março de 1946 foi removido para a 1a Promotoria de Justiça. Integrou, na qualidade de representante do Ministério Público, também por designação governamental datada de 5 de janeiro de 1944, o Conselho Penitenciário do Estado.
O Ministério Público de Vítor Lima era muito diferente daquele que se conhece hoje.
Em 1940 o Estado contava com 32 comarcas e o número total de Promotores Públicos era 27 ou 28. Em 1945 este número subiu para 29 ou 31. Até 1946 havia no Ministério Público Catarinense apenas uma servidora datilógrafa.
Entre 1934 e 1946 o edifício-sede da Procuradoria-Geral do Estado situava-se em um prédio de esquina, na praça Pereira Oliveira, onde estava instalado o Tribunal de Justiça. Ocupava uma sala de aproximadamente 20 m2 e, posteriormente, um espaço de mais ou menos 30 m2. (Brüning, p. 148).
Não havia ainda, naquela época, o cargo de Procurador. Serus membros eram Promotores Públicos e o Chefe do Ministério Público era o Procurador-Geral do Estado.
Contava muito, para o exercício das funções de Promotor, o esforço pessoal, além de forte dose de idealismo e desprendimento. Os promotores tinham que comprar todo o seu material de trabalho: maquina de escrever, livros, formulários, envelopes, papéis (Brüning, p. 150).
Exerceram a função de Procurador-Geral do Estado, cargo de livre nomeação do Governador do Estado desde 1934: Henrique da Silva Fontes (agosto de 1934 a janeiro de 1937), Manoel Pedro Silveira (janeiro de 1937 a janeiro de 1943), José Rocha Ferreira Bastos (janeiro de 1943 a setembro de 1946), Milton Leite da Costa (setembro de 1946 a janeiro de 1951), Fernando Ferreira de Mello (janeiro de 1951 a maio de 1952) e Vítor Lima (maio de 1952 a dezembro de 1956). (Brüning, p. 147-148,171).
Antes mesmo de ser nomeado Procurador-Geral do Estado, Vítor Lima respondera interinamente por esta função, por duas vezes, no ano de 1947.
Na administração de Fernando Ferreira de Mello (1951-1952), Vítor Lima exerceu o cargo de Subprocurador, juntamente com Milton Leite e Rubem Moritz da Costa (Brüning, p. 171).
No período em que Vítor Lima foi Procurador-Geral, a Procuradoria permaneceu instalada mesmo prédio. O espaço que ocupava, no entanto, foi triplicado.
Somente em 1961 o Ministério Público instalou-se separadamente do Judiciário, na gestão de Milton Leite, mudando-se para uma casa na Rua Artista Bittencourt (Brüning, p. 174).
Durante o período em que atuou no Ministério Público catarinense Vítor Lima participou, como membro, de Comissão encarregada do Serviço de Educação de Adultos do Município de Florianópolis (1948); representou o Estado de Santa Catarina no 1o Congresso Estadual do Ministério Público do Ceará (em 1953) e no 1o Congresso Internacional do Ministério Público (em 1954); e presidiu comissão destinada a proceder os estudos necessários à reformas do Regulamento de Terras e Colonização (1956).
Vítor Lima marcou, sem dúvida a história institucional do Ministério Público. Seu talento de administrador possibilitou que estivesse à frente da Instituição por mais de quatro anos como Procurador-Geral do Estado, preparando caminho para a fase seguinte, capitaneada por Milton Leite da Costa (Procurador-Geral de 1961 a 1965).
É sempre importante lembrar que a amplitude do significante “Ministério Público” empregado no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 se deve ao trabalho cumulativo de muitos Promotores e Procuradores ao longo de muitas décadas. Estre estes esteva Vítor Lima.
O processo redefinitório da instituição coroado com a consagração, no texto constitucional, da tarefa institucional de defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis não ocorreu isoladamente nem espontaneamente. Há um processo histórico-social muito consistente que o precede e do qual participam muitos Agentes Sociais.
A assunção, por parte dos membros do Ministério Público, não só em Santa Catarina mas em todo o Brasil, de atribuições voltadas ao atendimento da sociedade, propiciaram que a Instituição encontrasse o seu lugar político e jurídico no Estado Constitucional Democrático.
O Ministério Público, na Lei Maior em vigor, não foi estabelecido com as atribuições provocativas da função jurisdicional nos moldes clássicos. Pelo contrário, a Constituição outorgou-lhe um conjunto de funções jurídicas que lhe possibilita atuar tanto promovendo medidas judiciais (como a Ação Civil Pública e a Ação Penal) quanto extrajudiciais (nos Inquéritos Civis e nas Investigações Criminais). Muitas são também as áreas de atuação: criminal, ambiental, defesa da cidadania, da moralidade administrativa, dos direitos dos encarcerados, da educação.
Esse espírito, de aproximação ao mundo social, aos interesses Campo Geral da Sociedade, esteve presente e firme na carreira do Promotor Público e Procurador-Geral Vítor Lima.
Mas.. de onde ele proveio? Que percurso o Patrono da Cadeira n. 27 da Academia teve que percorrer até chegar e se orientar no Campo Jurídico?
O investigador que pretendesse explorar esta luminosa biografia, teria que retroceder alguns anos, até chegar ao ginasiano Vítor Lima.
O jovem Vítor Lima foi nomeado em 19 de março de 1929, para exercer o cargo de Professor Ginasial da 1a Escola Noturna da Capital. Tinha apenas 17 anos quando foi empossado. Permaneceu naquela unidade escolar de 23 de março de 1929 até 10 de fevereiro do ano seguinte, quando foi removido para o Grupo Escolar Luiz Neves, da cidade de Mafra, tendo assumido, logo em seguida, por nomeação, a Direção deste estabelecimento.
Dois anos e meio depois, a sua gestão como Diretor foi elogiada em Portaria emitida pelo Inspetor Escolar Elpídio Barbosa, na qual este consignou a notável dedicação de Vítor Lima no cumprimento de seus deveres.
No dia 08 de fevereiro de 1934 foi removido para o Grupo Escolar Lauro Müller e Escola Complementar anexa de Florianópolis. Três anos depois, assumiu a Direção da Escola Normal Primária do Grupo Escolar Lauro Müller.
Também em março de 1937 passou a lecionar interinamente a disciplina de Português do Curso de Propedêutica da Escola de Comércio do Estado de Santa Catarina. No final do ano, porém, reassumiu a direção do Grupo Escolar Lauro Müller e Escola Normal Primária.
O seu trabalho na área da educação foi elogiado em Portaria do Secretário do Interior e Justiça, expedida em 03 de maio de 1941.
Quem que que pesquisasse, portanto, sobre Vítor Lima, encontraria, na base de tudo, antes de tudo, um jovem Professor, um Diretor de Escola, um competente Profissional da Educação.
Devo confessar que esta a descoberta me estimulou. Como muitos sabem, atuo presentemente em uma Promotoria de Justiça incumbida da Defesa da Educação. A minha equipe, que está aqui, sabe o quanto esta área me move, me comove.
Saber que o Patrono da cadeira que devo ocupar foi também Professor e Diretor de Escola amplifica as minhas responsabilidades. Patrono é um tutor, é um inspirador. É um modelo que exige coerência de quem lhe ocupa o lugar que traz inscrito o seu nome.
Se no final da carreira se viu o jurista, na função de Magistrado e, no período central, o Promotor idealista e bom gestor, que conseguiu fazer muito com os poucos recursos institucionais disponíveis, é porque no alicerce havia a solidez de um exemplar educador, de alguém que ensina aprendendo com as adversidades.
Me animo para, seguindo-lhe os passos, lutar, como Promotor de Justiça, pela qualidade do ensino público e privado no Estado e em Florianópolis.
Nessa luta, em que são obviamente empregados outros códigos linguísticos e acionados outros instrumentos jurídicos, impensáveis na época de Vitor Lima, é aplicado o mesmo princípio geral de respeito à Sociedade.
Este é breve retrato apenas, mas que julgo necessário ao início da recuperação de memórias da carreira do Professor, do Promotor Público, do Desembargador, do Jurista Vítor Lima, do filho de Jerônimo Emiliano de Lima e Emília Mamede de Lima, nascido em Florianópolis, no dia 12 de abril de 1912.
AUDITÓRIO LUIZ CARLOS SCHMITT DE CARVALHO, AV. PROFESSOR OTHON GAMA D’EÇA, EDIFÍCIO CASA DO BARÃO, EM FLORIANÓPOLIS, AOS 03 DIAS DE DEZEMBRO DE 2015, ÀS 19 HORAS E 30 MINUTOS.